domingo, 10 de novembro de 2019

Ditaduras na América Latina no Século XX

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Prof. Dr. Rodrigo F. Dias



segunda-feira, 21 de outubro de 2019

A Ditadura no Brasil (1964-1985)

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quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Guerra Fria

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Para fazer o download de um arquivo em PDF com slides sobre a Guerra Fria, clique aqui. No arquivo, para além dos aspectos gerais da Guerra Fria, também há informações sobre a Guerra da Coreia (1950-1953), a Guerra do Vietnã (1955-1975), a Revolução Chinesa e a Revolução Cubana.

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Prof. Dr. Rodrigo Francisco Dias



sábado, 21 de setembro de 2019

O Brasil entre 1946 e 1964

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Prof. Dr. Rodrigo Francisco Dias



sexta-feira, 20 de setembro de 2019

O Governo de Getúlio Vargas no Brasil (1930-1945)

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quinta-feira, 19 de setembro de 2019

A Segunda Guerra Mundial

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quarta-feira, 21 de agosto de 2019

O surgimento dos totalitarismos no século XX

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Prof. Dr. Rodrigo F. Dias



quarta-feira, 12 de junho de 2019

A Crise de 1929

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Prof. Dr. Rodrigo F. Dias



quinta-feira, 6 de junho de 2019

A Crise da Primeira República no Brasil (1914-1930)

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terça-feira, 28 de maio de 2019

Aspectos gerais da Primeira República no Brasil (1889-1914)

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Prof. Dr. Rodrigo F. Dias



terça-feira, 7 de maio de 2019

A luta contra o esquecimento dos expurgos stalinistas (*)


(*) Este texto foi escrito por María R. Sahuquillo e foi originalmente publicado no site do jornal El País, no dia 08 de abril de 2019. As imagens que ilustram o texto também foram retiradas da publicação original do site do jornal. Para ver o texto conforme o publicado no site de origem, clique aqui (acesso em: 09 abr. 2019).

George Shajet segura uma foto de seu avô, um engenheiro que foi alvo de represálias em 1934, em Moscou.

Na casa de George Shajet seu avô era inominável. Um segredo perigoso e aterrador. Ainda hoje, este ator russo de 73 anos, de rosto comprido e olhar triste, tem dificuldades em pronunciar seu nome. “Pavel Zabotin, engenheiro”, diz, muito sério. Faz poucos anos que constatou o que sempre, no fundo, havia suspeitado. Seu avô tinha sido declarado “inimigo do povo”. Sentenciado e executado a tiros em 1934 por ordem da chamada Troika Especial, a comissão extrajudicial da NKVD (o Comissariado do Povo para os Assuntos Internos da União Soviética, antecessor da KGB). Tinha 45 anos. Desde que soube disso, Shajet investiga seu caso. Busca preencher esses enormes buracos da história familiar. “Preciso saber. E reabilitar sua memória”, salienta.

Pouco a pouco, Shajet coloca sobre a mesa de um esfumaçado café de Moscou o que resta de seu avô Pavel. Um par de retratos fotográficos de época, que o mostram como um homem sério, de rosto arredondado e bigode. A foto de uma reunião familiar. Um cartão de visitas. É tudo. Depois de achar o nome do engenheiro retaliado nos densos arquivos da ONG de direitos humanos Memorial, que se dedica a preservar a memória histórica dos crimes do stalinismo, Shajet pediu informações a todas as instituições oficiais. Sem sucesso. Agora, suas esperanças vão se apagando. Há poucas semanas, vários tribunais russos ampararam o direito do Serviço Especial de Segurança (FSB) — guardião dos documentos da NKVD — de negar o acesso a esses arquivos. E determinaram que fossem lacrados.

Nesses documentos estão os nomes dos verdugos de Pavel Zabotin. E de quem condenou ao Gulag o avô de Serguei Prudovski, cuja solicitação à FSB desencadeou uma das derrotas judiciais. O acesso a esses documentos “poderia prejudicar tanto os familiares vivos dos funcionários que assinaram os protocolos como a avaliação objetiva do período histórico 1937-1938”, segundo a principal assessora jurídica da FSB, Yelena Zimatkina. Ou seja, os anos do Grande Expurgo, conhecidos na Rússia moderna como o Grande Terror (ou o 37), quando as ondas repressivas do stalinismo alcançaram seu apogeu.

Mais de um milhão de pessoas foram fuziladas. Quatro milhões, enviados a campos de trabalho. Quase 6,5 milhões foram deportados durante os expurgos da ditadura de Josef Stálin (1878-1953). Socialistas, anarquistas, membros do Partido Comunista Soviético, opositores, qualquer que desse sinais de ser um “inimigo do povo”.

Fotos e fichas de expurgados na época soviética nos arquivos da ONG Memorial, em Moscou.

“Ao todo são quase 12 milhões de pessoas que deveriam ser reabilitadas”, diz Yan Rachinski, diretor da Memorial. Em seu escritório acumulam-se várias caixas, que são só uma pequena parte da enorme base documental que a organização vem reunindo ao longo dos anos. Para muitos, é a única possibilidade de conhecer o passado. A lei obriga a desclassificar os documentos que têm mais de 75 anos. Mas na prática, os arquivos da NKVD e suas troikas — as comissões extrajudiciais tinham três membros que, depois de uma investigação simplificada e sem julgamento, emitiam sentenças e condenações — são quase inacessíveis. “E a situação é cada vez mais difícil”, observa o reputado historiador.

Em meados de março, um tribunal de Novosibirsk (Sibéria) negou ao pesquisador Denis Karagodin o acesso a documentos do caso de seu bisavô, Stepan Karagodin, e de outros retaliados. Uma medida grave. Até então, havia livre acesso aos arquivos estatais — que armazenavam os dossiês do Partido Comunista, os únicos liberados — como o de Novosibirsk, que prepara agora a instalação de uma estátua de Stálin, financiada e reivindicada pelo Partido Comunista local. Uma bofetada na terceira maior cidade da Rússia, que o ditador visitou só uma vez e que já acolhe um monumento aos retaliados políticos.

Serguei Prudovski, empresário e historiador, investiga a história de seu avô.

“[O FSB] não quer que se demonstre que, com acusações inventadas e julgamentos sem garantias, milhões de pessoas foram executadas e duramente condenadas”, diz, indignado, o historiador e empresário Sergei Prudovski. Seu avô, Stepan Kuznetsov, foi um dos chamados russos de Harbin, cidadãos enviados para construir a Ferrovia do Leste da China. Ao voltarem, em 1935, foram recebidos como heróis. Dois anos depois, começou sua repressão. Foram considerados espiões ou agentes estrangeiros do Japão ou da Alemanha, e milhares deles foram executados.

Kuznetsov foi parar nos campos de trabalhos forçados. Lá passou quase 20 anos. De volta a Moscou, relatou em dois cadernos de memórias a penosa vida no Gulag. Prudovski encontrou-os. E desde então se dedica a investigar o que aconteceu com os russos de Harbin. Seu avô, conta em seu escritório, num bairro dos subúrbios de Moscou, tinha compilado uma lista de 20 nomes de outros retaliados. E daí foi puxando o fio da meada. E não se cansará de fazê-lo. “Vou percorrer todas as instâncias para ter acesso aos casos”, afirma.

A recuperação da memória histórica é um tema enormemente espinhoso na Rússia, que ainda vive à beira de uma amnésia histórica. O corpo de Stálin foi tirado do mausoléu de Lênin em 1961. Entretanto, ainda está enterrado na praça Vermelha, diante da muralha do Kremlin. E a cada ano, no aniversário de sua morte, dezenas de pessoas vão até lá deixar flores.

Funcionária observa os arquivos da ONG Memorial, na capital russa.

No país euroasiático, 19% dos jovens dizem não saber nada sobre a repressão stalinista, e 26% têm dificuldades de caracterizá-la, segundo uma pesquisa de 2016 do Centro Levada, uma instituição independente. E, embora nos últimos anos tenham sido erguidos monumentos em memória das vítimas — o presidente Vladimir Putin inaugurou um deles em 2017 — e colocadas algumas placas nas casas onde viveram os retaliados, as autoridades evitam o debate. “Putin condena honestamente as repressões, mas reconhecer que o Estado era criminoso — e na época soviética de fato era — é, para ele, uma forma de questionar o Estado de hoje”, opina o presidente da ONG Memorial, que exige o acesso total aos documentos da NKVD.

Ekaterina Vinokurova, do Conselho de Direitos humanos da Rússia, não tem tanta certeza. “Pode-se divulgar o nome das vítimas e seus casos, mas tenho dúvidas quanto aos membros das troikas e os executores. Isso pode deixar a sociedade fragmentada e criar um clima de ódio”, considera a ativista, que há alguns dias também colabora com a emissora estatal RT.

Yan Rachinski, presidente da ONG Memorial.

A Memorial — que foi definida pelas autoridades como um “agente estrangeiro”, o que dificulta seu trabalho — não tem notícia de que algo assim tenha ocorrido alguma vez. Na verdade, há casos de familiares de executores que contataram parentes de retaliados para lhes pedir perdão. Como no caso da família Karagodin, que recebeu uma carta de desculpas de uma das netas de seu verdugo.

“Estão enterrando a memória histórica”, diz, aflito, o ator Shajet. Com os poucos dados que conseguiu e alguns fragmentos de conversas familiares que ouviu na sua infância, desenhou a figura de Pavel Zabotin. O homem, que tinha sido engenheiro militar e depois engenheiro civil, foi detido por supostamente roubar material numa das obras onde trabalhava para depois vendê-lo, conta Shajet quase aos prantos: “Mas as troikas da NKVD não se ocupavam desses crimes. Se a verdade for descoberta, me doerá, mas quero saber. É a história da minha família, da minha pátria; porque minha família é minha pátria”.



quinta-feira, 2 de maio de 2019

A Revolução Russa de 1917

Prezados,

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terça-feira, 9 de abril de 2019

Ajuda canarinha (*)

(*) Texto escrito por Marcello Scarrone e originalmente publicado no site da Revista de História da Biblioteca Nacional no dia 01 jul. 2014.

No mapa dos países beligerantes da Primeira Guerra Mundial, o Brasil é um dos últimos a fincar sua bandeirinha. É em 26 de outubro de 1917 que o país reconhece e proclama “o estado de guerra iniciado pelo Império Alemão contra o Brasil”, como confirma o decreto aprovado naquele dia pelo Congresso. Desde abril, com efeito, as relações com a Alemanha estavam rompidas e, no mês seguinte, a neutralidade brasileira revogada: tudo devido aos repetidos ataques a navios comerciais nacionais por submarinos germânicos, o último dos quais, em meados de outubro, provoca a entrada do Brasil no campo de batalha. 

Pouco mais que simbólica, porém, pode ter sido a participação brasileira no conflito. O medo de deixar desprotegido o sul do país impediu a mobilização de grandes contingentes militares, aliado a certa desorganização e despreparo. Assim, além de repassar para a França parte dos 45 navios alemães apresados nos portos nacionais, o Brasil resolveu concentrar sua colaboração com as forças da Entente em três frentes, já no ano de 1918.

Para apoiar o esforço bélico aliado, uma primeira iniciativa foi o envio de um grupo de oficiais para a Europa. Treze aviadores fizeram instrução na Inglaterra e oito deles integraram uma esquadrilha com pilotos britânicos, na Royal Air Force, empenhados em missões de patrulhamento antissubmarino. Outros oficiais combateram no front ocidental, servindo principalmente no exército francês, como José Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, comandante de cavalaria, que chegou também a ter familiaridade com os tanques durante as operações militares e, em seguida, favoreceu a importação para o Brasil deste tipo de material bélico blindado. 

A segunda iniciativa responde pelo codinome de DNOG, isto é, Divisão Naval em Operações de Guerra, uma divisão criada pela Marinha com a finalidade de participar do patrulhamento do litoral ocidental da África contra a ação dos submarinos alemães, liberando também desta incumbência navios britânicos a fim de que estes pudessem operar em áreas de maior necessidade. 

Subordinada, portanto, à Marinha de Sua Majestade, a pequena divisão brasileira, composta de quatro contratorpedeiros e dois cruzadores, além de um navio-tênder e um rebocador, começou sua missão em maio de 1918, com 1.500 homens às ordens do contra-almirante Pedro Max Fernando de Frontin. Entre vários problemas mecânicos – os equipamentos das embarcações eram em boa parte obsoletos e de pouca eficiência – a pequena esquadra alcança a costa africana, fundeando em Dakar no final de agosto. Ali, o que deveria ser uma simples e rápida etapa para abastecimento e reparos, transformou-se numa longa e atormentada odisseia. No começo de setembro, a gripe espanhola, que já estava se difundindo na Europa e no Mediterrâneo, atinge a tripulação brasileira, causando mais de cem mortes, provocando o repatriamento de várias dezenas de marinheiros e procrastinando para fins de outubro a retomada das operações. 

A chegada da divisão em Gibraltar, reduzida em efetivos e embarcações (somente um cruzador e três contratorpedeiros), após ter escapado fortuitamente de um submarino inimigo que acabara de afundar o navio inglês Britannia, acontece na véspera do fim do conflito. Era o dia 10 de novembro. Depois de mais de sete meses de navegação, dessa vez visitando a convite alguns países europeus, regressa ao Brasil a missão naval, cuja luta mais severa, afinal, foi contra o vírus da espanhola. 

Em agosto de 1918 parte do Rio para a Europa a terceira das iniciativas brasileiras de participação no conflito. Era a Missão Médica Militar, destinada à França. Sua criação vinha ao encontro do convite do próprio ministro da França no Rio de Janeiro, o poeta e diplomata Paul Claudel, que tinha solicitado ao Brasil um reforço médico junto às tropas no front. Formada por oficiais, soldados e civis, a delegação contava com cerca de 130 membros. Atingido pela gripe espanhola, após uma ou outra escala em portos do litoral africano, o grupo perde vários de seus membros, vítimas da doença, e somente no fim do mês de setembro consegue alcançar Marselha, e depois Paris, de onde os componentes da missão são redistribuídos em várias cidades e hospitais franceses, tendo entre suas incumbências, além do tratamento de militares feridos, os cuidados com os muitos civis afetados pela epidemia. 

Uma das realizações da missão é a instalação do Hospital Brasileiro em Paris, adaptando o prédio de um antigo convento jesuíta. Com capacidade de 500 leitos, a unidade é logo destinada ao tratamento de casos de feridos muito graves. Em meados de 1919, o governo brasileiro doa o hospital e suas instalações à Faculdade de Medicina de Paris.

Embora pequena, sua participação militar na guerra permitiu ao Brasil ter parte nas negociações de paz de Versalhes, onde seus pedidos – relativos ao pagamento do café que o estado de São Paulo tinha depositado antes do conflito na Europa e que fora utilizado pelos alemães e quanto à posse dos navios germânicos apreendidos nos portos nacionais, reconhecidos como propriedade brasileira – são atendidos. Com o apoio do presidente dos Estados Unidos, Woodrow Wilson, o Brasil também passa a fazer parte da recém-criada Sociedade das Nações, como membro não permanente do conselho.

BIBLIOGRAFIA:

GAMA, Arthur Oscar Saldanha da. A Marinha do Brasil na Primeira Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Capemi, 1982.

GARAMBONE, Sidney. A Primeira Guerra Mundial e a Imprensa Brasileira. Rio de Janeiro: Mauad, 2003.

MAIA, Prado. DNOG: Uma página esquecida da história da Marinha Brasileira. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação Geral da Marinha, 1961.

MARTINS, Helio Leôncio. “A Participação da Marinha Brasileira na Primeira Grande Guerra”. In: História Naval Brasileira. Vol. 5. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação da Marinha, 1997.

Revista de História da Biblioteca Nacional, nº 37, p. 21-34, outubro 2008.



segunda-feira, 8 de abril de 2019

Fantasmas do passado (*)

(*) Texto escrito por Amila Kasumovic e originalmente publicado no site da Revista de História da Biblioteca Nacional no dia 01 jul. 2014. 


Dois tiros, e a Europa colocou-se em marcha irreversível rumo a um conflito generalizado, que se tornou a Primeira Guerra Mundial. Dois tiros disparados na cidade de Sarajevo, atual capital da Bósnia e Herzegovina. O assassinato do herdeiro do trono austro-húngaro, o arquiduque Francisco Ferdinando, em 28 de junho de 1914, deixou marcada uma região que já havia sido palco de milenares disputas territoriais, que depois seria socialista durante boa parte do século XX, e novamente assolada por uma guerra nos anos 1990.

Os fantasmas do passado continuam a assombrar Sarajevo. Tanto tempo depois, e mesmo com a abundância de textos produzidos sobre o tema, muitas questões permanecem em aberto. Como entender o movimento Jovem Bósnia, responsabilizado pelo crime? Qual o papel da Sérvia no atentado? Qual é a percepção atual sobre o jovem assassino Gavrilo Princip?

Em diversos textos, a autoria do atentado é atribuída à organização Jovem Bósnia. O termo “organização”, no entanto, parece inadequado, uma vez que ela não era formalmente reconhecida pelo governo, não possuía um estatuto ou um programa de atividades, nem mesmo um registro de seus membros. Cvetko Popovic, um dos participantes do assassinato, provavelmente nos fornece a melhor definição do movimento: “um molde vazio no qual qualquer escritor poderia alocar conteúdos arbitrários”. Reunia forças jovens na Bósnia e Herzegovina movidas por diferentes convicções políticas e ideológicas, variando do anarquismo e do socialismo ao nacionalismo sérvio e o “iugoslavismo” – o ideal de união dos povos “eslavos do sul”, incluindo os bósnios, para criar a Iugoslávia. Nessa vaga ideia de unificação, a Sérvia teria um papel significativo, equivalente ao que teve o Piemonte na formação do Estado italiano no século XIX. O que aqueles jovens tinham em comum era o ódio direcionado ao Império Austro-Húngaro e o desejo de se libertarem do controle estrangeiro. 

“A juventude progressista nacional iugoslava”, como é comumente chamada pela historiografia, considerava que o desenvolvimento de planos terroristas contra o Império dos Habsburgo era legítimo e justificado. No início do século XX, tiros assassinos soavam por toda a província balcânica. Na Bósnia e Herzegovina, Bogdan Žerajic tentou assassinar o governador provincial Marijan Varešanin no verão de 1910. Na Croácia, o ban (espécie de vice-rei) Slavko Cuvaj foi alvo de atentados em duas ocasiões em 1912, sem sucesso. E há a suspeita de outro ataque contra o ban Ivo Skerlecz, em maio de 1914. Os acontecimentos em Sarajevo foram uma sequência dessas ações.

Vários relatos de membros da Jovem Bósnia dão conta de que seis integrantes concordaram com o assassinado de Francisco Ferdinando durante sua visita a Sarajevo: Gavrilo Princip, Cvetko Popovic, Muhamed Mehmedbašic, Nedeljko Cabrinovic, Vasa Cubrilovic e Tvrtko Grabež. Algumas fontes indicam que Danilo Ilic era o organizador e coordenador do grupo. Muitos outros nomes já foram mencionados como direta ou indiretamente envolvidos no movimento e na execução do atentado, a maior parte deles originária da Bósnia e Herzegovina, mas também havia conspiradores da Sérvia. O papel oficial da Sérvia no planejamento do atentado de Sarajevo e a busca por um responsável pelo estopim da Primeira Guerra Mundial permanecem vitais para os historiadores da Bósnia e Herzegovina. Aceitar o envolvimento da Sérvia no atentado significa dizer que ela também tem sua parcela de culpa pelo início da Guerra. 

A captura de Gavrilo Princip, logo após o atentado em que feriu mortalmente Francisco Ferdinando. (Reprodução / Arquivo O Globo)

As possibilidades de se reconstituir o planejamento do atentado são, infelizmente, muito limitadas. Ainda assim, o historiador Joachim Remak tentou fazê-lo. De acordo com a sua reconstrução dos eventos, após a anexação da Bósnia e Herzegovina pelo Império Austro-húngaro, em 1908, formou-se na Sérvia uma organização chamada “A Defesa Nacional”, com o objetivo de disseminar uma propaganda antiaustríaca. Com o passar do tempo, ela se enfraqueceu e seu papel foi assumido por um movimento mais radical – “Unificação ou Morte”, também conhecido pelo nome de “Mão Negra”. Esta organização era conduzida por oficiais responsáveis pelo golpe de Estado na Sérvia em 1903, quando o rei Pedro I da Sérvia chegou ao trono. A figura principal era o chefe do Serviço de Inteligência Sérvio, o tenente-coronel Dragutin Dimitrijevic Apis. Ele mantinha comunicação ativa com os membros que se encontravam no território da Bósnia e Herzegovina e, no final de 1913, esteve com Danilo Ilic para planejar o que ele acreditava ser o assassinato do governador provincial na Bósnia e Herzegovina. O acordo se confirmou em uma reunião na França com os “revolucionários” da Bósnia e Herzegovina, organizada pelo major Vojislav Tankosic, no início de 1914. 

O plano inicial muito provavelmente se transformou quando os jornais noticiaram a visita do herdeiro ao trono austro-húngaro, Francisco Ferdinando, à Bósnia e Herzegovina. Tudo o que Tankosic precisou fazer foi convocar alguns dos membros da Jovem Bósnia. Muitos historiadores insistem em que a ideia do atentado surgiu em Sarajevo, em círculos próximos ao jornal Srpska rijec, e que isto apenas foi reportado aos membros do “Mão Negra” de Belgrado. Outros consideram que o plano proveio de Apis – codinome do coronel Dragutin Dimitrijevic, radical e belicista – para quem Francisco Ferdinando era um símbolo do domínio estrangeiro, da detestável monarquia.  Historiadores sérvios consideram que uma das justificativas mais aceitáveis para o assassinato de Francisco Ferdinando teria sido a sua ardente defesa da agressiva política externa austro-húngara. Deste modo, a responsabilidade da Sérvia diante dos eventos que originaram a Grande Guerra seria reduzida significativamente. Porém, diversos autores – como Robert Kann, A. J. P. Taylor e Anika Mombauer – argumentam que Francisco Ferdinando pode até ter sido um radical, mas não era um belicista. O Império Austro-húngaro provavelmente estava ciente de que a Rússia também tinha interesses nos Bálcãs, e protegeria a Sérvia. 

A visita do arquiduque (em destaque), que ocorreu no aniversário da Batalha de Kosovo (1389), entre sérvios e otomanos, foi vista por aluns como uma provocação. (Foto: Reprodução / Original da Biblioteca do Congresso Americano - Washington)

A elite política sérvia estava familiarizada com o planejamento do atentado em Sarajevo. As armas utilizadas pelos assassinos foram transportadas da Sérvia. Tudo estava preparado para o ato que deveria acontecer no grande feriado ortodoxo, o dia de São Vito. Era uma data muito significativa para os sérvios: o 28 de junho marcava os 525 anos da Batalha de Kosovo – conflito envolvendo os exércitos sérvio e otomano. Houve avisos de que a visita de Francisco Ferdinando, justamente nessa data, poderia ser considerada uma provocação. Ainda assim ela não foi cancelada. Os assassinos estavam familiarizados com o trajeto da viagem e com a visita ao prédio da prefeitura em Sarajevo. Mas a bomba lançada por Nedeljko Cabrinovic não foi suficiente para alcançar o planejado. Apesar dos feridos, o cortejo prosseguiu inalterado com o herdeiro e sua esposa Sophia. Depois disso houve diversas falhas de segurança, especialmente quando o arquiduque deixou o prédio da prefeitura com a intenção de visitar os feridos no hospital. Os motoristas não possuíam uma rota precisa, e Gavrilo Princip se aproveitou de uma manobra equivocada no trajeto: quando o cortejo parou para remanejar o caminho diante do erro e retornar, ele deu os dois tiros que mataram Francisco Ferdinando e sua esposa. 

Seriam Gavrilo Princip e Nedeljko Cabrinovic os tiranicidas de Sarajevo? Por muito tempo esta pergunta encontrou uma resposta afirmativa. Para os estudantes iugoslavos, aquele fora um ato heroico, progressista e libertador. As ações de Princip por muito tempo foram consideradas como reflexo da máxima socialista de “irmandade e unidade”, um símbolo do histórico “não” ao controle estrangeiro. 

Na década de 1990, a guerra na Bósnia e Herzegovina (1992-1995) trouxe sem piedade novas possibilidades de leitura do passado e forçou uma revisão do que havia sido ensinado. Abriu-se espaço para uma nova interpretação da ação simbólica de Princip: não seria ele um terrorista? Qual monumento deveria estar no local onde ocorreu o atentado de Sarajevo: aquele erigido a Francisco Ferdinando e sua esposa em 1917 (e retirado depois da guerra), ou aquele erigido em homenagem a Gavrilo Princip durante o período socialista (e retirado nos anos 1990)? Cem anos depois, o confronto entre Princip e Ferdinando continua em aberto.



domingo, 7 de abril de 2019

Aspectos gerais da Primeira Guerra Mundial (*)

(*) Texto escrito por Marcello Scarrone e originalmente publicado com o título "Cem anos atrás" no site da Revista de História da Biblioteca Nacional, no dia 01 jul. 2014.


Berlim, Londres, Paris. Mas também Roterdã, Münster, Milão, ou a pequena Sibiu, na Romênia. Em todas essas cidades longas filas de moradores aderiam ao apelo de Europeana, a biblioteca digital europeia: quem possuísse lembranças da Primeira Guerra Mundial, como cartas, diários, fotografias e postais, poderia oferecê-las para a digitalização, a fim de colaborar para a construção de um grande acervo virtual sobre o conflito, por ocasião dos cem anos de seu início.

A empreitada, que começou com uma iniciativa análoga promovida pela Universidade de Oxford ainda em 2008, foi com o passar dos anos crescendo e encontrando apoio em prestigiosas instituições públicas europeias, como a Biblioteca Estadual de Berlim e a Biblioteca Nacional de Paris. Hoje, mais de 20 países aderem ao projeto cujo nome é “1914-1918 – Histórias inéditas e histórias oficiais da Primeira Guerra Mundial”, com muitas jornadas de coleta de documentos já realizadas, e outras ainda previstas em vários deles. Assim, antigas prateleiras empoeiradas, velhos baús, caixinhas de lembranças e álbuns de família adquiriram status de acervo: o evento bélico de 1914-1918, afinal, atravessou e modificou a vida da maioria das famílias europeias, e não só, da época. Trata-se de um museu digital sobre a Grande Guerra, em parte constituído de documentos de arquivos públicos, em parte fruto de milhares de acervos privados. 

Paralelamente à iniciativa de Europeana, várias instituições de pesquisa reorganizaram seus arquivos, ou começaram a digitalizar parte deles, como fizeram os National Archives, em Londres, com os diários de combatentes britânicos.  Os próprios governos europeus destinaram recursos para financiar a memória e a pesquisa histórica em torno da Primeira Guerra. França e Bélgica reservaram para as celebrações do centenário cerca de 100 milhões de euros; o Reino Unido, 56 milhões; a Itália, 34 milhões. Até países não europeus se mobilizaram: a Austrália, mesmo com uma participação menor no conflito, disponibilizou 96 milhões.

Cem anos se passaram, mas a guerra marcou de forma profunda o imaginário popular, até porque dos problemas não solucionados que o conflito deixou brotaram experiências trágicas, como os fascismos e a própria Segunda Guerra Mundial. Quando se pensa nos eventos de 1914-1918, desencadeados pelo atentado em Sarajevo, um elemento paradoxal salta aos olhos. De um lado, há um sistema de alianças pacientemente costurado durante anos entre França, Grã-Bretanha e Rússia (a Tríplice Entente), em contraposição ao acordo da Tríplice Aliança, entre os dois Impérios Centrais (Alemanha e Áustria-Hungria) e a Itália. Alianças defensivas, nas quais cada um dos membros cultivava algum sentimento de revanche, ou de desconfiança diante de um ou outro dos adversários – como a França com a Alemanha, reivindicando territórios perdidos na guerra de 1871; ou como dois impérios, o austríaco e o russo, ambos não escondendo ambições territoriais e de influência na península balcânica; ou ainda a crescente força industrial e comercial da Alemanha, que a colocava inevitavelmente em aberta luta pela supremacia mundial com a Inglaterra, a superpotência da época, embora um tanto declinante. Alianças defensivas suportadas por arsenais bélicos cada vez mais alimentados e renovados.

Do outro lado, curiosamente, nos anos que antecedem a eclosão das hostilidades, as trocas entre os vários países constituem o cimento de uma era que acabará sendo definida, a posteriori, de Belle Époque, período de ouro da vida social, intelectual e artística europeia. Um clima cosmopolita caracteriza as sociedades das décadas do fim do século XIX e do começo do XX, e a burguesia da Europa, de qualquer idioma, se sente em casa, seja no Opéra de Paris, seja em Marienbad ou em Baden-Baden – cidades termais pertencentes uma ao império austríaco e a outra ao alemão –, em Londres ou em Berlim. As próprias casas reinantes se frequentam por ocasião de casamentos, funerais, coroações, sem esquecer os laços de parentesco entre os próprios monarcas: Guilherme II da Alemanha é primo do rei inglês Jorge V, e também do czar Nicolau II. Em breve, porém, esses laços não os impedirão de se lançarem em guerra um contra o outro, e sobre a Belle Époque descerá definitivamente a cortina.  

Assim, nas primeiras semanas de agosto de 1914, em ruas, praças e estações ferroviárias, multidões assistem entusiasmadas à passagem das tropas em marcha para o front, em Viena, em Berlim em Paris. Os sentimentos patrióticos se reforçam: contrários à guerra e tradicionalmente pacifistas, até os expoentes do movimento socialista, fora poucas exceções, acabam se perfilando atrás da bandeira nacional, na França como na Alemanha, e abraçam a causa da nação. A fraternidade internacional dos trabalhadores, acima de fronteiras e Estados, por definição alheia a qualquer guerra feita em nome do imperialismo, parece derrotada em suas intenções e propósitos.  

A historiografia dedicou páginas e páginas à investigação das causas e das responsabilidades da Guerra: enfatizando a agressividade alemã, frisando o desejo de revanche dos franceses, apontando para os interesses das potências europeias nos Bálcãs, ou dando ênfase à competitividade exacerbada entre Inglaterra e Alemanha para a conquista e o controle dos mercados. Nenhuma explicação é satisfatória quando isolada das outras: um conjunto de fatores, atitudes e situações conduz na verdade para a guerra, numa Europa onde ninguém talvez a deseje realmente, mas onde todos, sem dúvida, estão se preparando para uma possível eclosão.  

E aquelas mesmas tropas triunfalmente saudadas pela população de cada nação em breve se encontram estacionadas, entre lama e arame farpado, de um lado e do outro de longuíssimas trincheiras, em especial na frente ocidental, mas também no front entre Áustria e Itália. A trincheira surge assim como o símbolo dos quatro longos anos de guerra, com seu trágico aspecto de espera interminável do ataque inimigo e de uma morte que pode chegar de uma hora para outra, vinda através de um morteiro, de uma metralhadora, de um canhão. Um lugar onde a vida parece não ter mais valor, à mercê do fogo inimigo, de ratos, frio e doenças. Nada de novo no front, titulo do romance do alemão Erich Maria Remarque, retrata exatamente a monotonia alucinante dessa experiência para centenas de milhares de soldados.

Mobilizando homens e recursos, subtraindo forças aos trabalhos agrícolas e fabris, a guerra altera o espaço urbano e rural: na Europa e em parte também nas possessões coloniais. A sociedade civil acaba diretamente afetada, tanto em cidades e vilas mais próximas dos combates quanto em outras, trazendo alterações na economia, a intensificação da produção militar e a utilização cada vez mais intensa da mão de obra feminina.   

A Primeira Guerra Mundial seria também o conflito que acabaria desencadeando a Revolução Russa, primeiro, em sua manifestação de fevereiro de 1917, depois, na chegada ao poder do movimento bolchevique, em outubro, com a saída do país da guerra em março do ano seguinte. Da mesma forma, seria o conflito que assinalaria o fim do isolacionismo norte-americano: os Estados Unidos declaram guerra aos Impérios Centrais em 1917 e deslocam ingentes tropas para o continente europeu no ano seguinte, fato que terá um peso decisivo no desfecho vitorioso da luta em favor da Entente. 

Os grandes impérios de antes da guerra desmoronam, um após o outro. O czar Nicolau II é executado na Rússia, o kaiser Guilherme II, exilado, assim como o imperador austríaco Carlos I, e repúblicas se estabelecem na Alemanha e na Áustria derrotadas. O próprio Império Otomano, aliado dos Impérios Centrais, perde, com os tratados de paz, Palestina, Síria, Líbano e Mesopotâmia em favor de França e Reino Unido, e caminha rumo ao seu fim, que ocorrerá em 1923. 

O mundo é realmente outro, após e em virtude da guerra: a “primeira mundial”. Devido também aos problemas deixados em aberto pelos tratados de paz, uma segunda, ainda mais sangrenta e destruidora, em breve se desenhará no horizonte.



sábado, 6 de abril de 2019

A Grande Guerra, ou, a Primeira Guerra Mundial (1914-1918)

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Prof. Dr. Rodrigo F. Dias



terça-feira, 2 de abril de 2019

O Início do Século XX: novas tecnologias e transformações

Olá a todos,

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Atenciosamente,

Prof. Dr. Rodrigo Francisco Dias



domingo, 31 de março de 2019

O ano de 1964 no Brasil: Golpe ou Revolução? (*)


(*) Este texto, que é organizado por meio de algumas perguntas e respostas sobre o Golpe de 1964 no Brasil, foi escrito por Jhonatan Uewerton Souza. O autor tem Graduação em História pela Universidade Estadual de Maringá, Mestrado em História pela Universidade Federal do Paraná e é professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná. A publicação do texto neste blog foi autorizada pelo próprio autor. Algumas pequenas adaptações no texto foram feitas para que o mesmo se adequasse melhor ao formato do nosso FORMAÇÃO HISTÓRICA - Blog de Ensino e Aprendizagem. O texto foi por nós recebido no dia 31 de março de 2019.


O que houve entre os dias 31 de março e 02 de abril de 1964 no Brasil foi um golpe ou uma revolução?

Golpe. Comecemos esclarecendo o conceito. Conforme o verbete "Golpe de Estado", escrito por Carlos Barbé, para o Dicionário de Política, do Norberto Bobbio: "o Golpe de Estado é um ato efetuado por órgãos do Estado. Em suas manifestações atuais, o Golpe de Estado, na maioria dos casos, é levado a cabo por um grupo militar ou pelas forças armadas como um todo". O apoio de setores da sociedade civil, em geral relacionados aos estratos médios e superiores da sociedade, não anula a possibilidade de utilização do conceito de golpe. Como adverte Barbé: "O Golpe de Estado pode ser acompanhado e/ou seguido de mobilização política e/ou social". Além disso: "Habitualmente, o Golpe de Estado é seguido do reforço da máquina burocrática e policial do Estado". [1]

Vamos aos fatos. Os próprios agentes envolvidos na deposição de João Goulart tinham plena consciência de que se tratava de um golpe. No dia 30 de março, aliás, o consulado americano no Brasil enviou um telegrama ao Departamento de Estado, em Washington, nos seguintes termos: "Duas fontes ativas do movimento contra Goulart dizem que o golpe contra o governo do Brasil deverá vir nas próximas 48 horas". [2]


Todo o povo brasileiro estava contra Jango?

Não. Pesquisas realizadas pelo Ibope entre 9 e 26 de março de 1964, nas cidades de Rio de Janeiro, São Paulo, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Curitiba e Porto Alegre indicam amplo apoio popular a João Goulart e às suas reformas de base. Em São Paulo, por exemplo, Jango tinha 70% de aprovação. [3]


É verdade que Jango havia fugido do país em 1 de abril de 1964, o que justificaria a declaração do estado de vacância do cargo de presidente?

Não. Na própria sessão conjunta entre Câmara e Senado realizada na madrugada do dia 2 de abril, antes de ser comunicado o "abandono do cargo" pelo presidente, foi lida pelo senador Adalberto Sena uma carta, enviada pelo então chefe da Casa Civil, Darcy Ribeiro, que comunicava aos legisladores que Jango e seus ministros estavam em Porto Alegre, ou seja, que não tinham abandonado o país. Não foi por outro motivo que, em 21 de novembro de 2013, reconhecendo a ilegalidade cometida naquela madrugada de 1964 - quando o estado de vacância do cargo da presidência foi declarado mesmo estando João Goulart em solo brasileiro -, o Congresso Nacional anulou a sessão do dia 2 de abril de 1964. Sobre o cinismo reinante entre aqueles que presidiram a sessão que declarou o abandono do cargo por Jango, é curioso analisar as Atas do Senado, na sessão realizada naquele mesmo dia 2 de abril de 1964, às 14 horas e 30 minutos. Depois de ouvir as loas do vice-líder da UDN, o senador pelo Espírito Santo, Eurico Rezende, à "revolução cívica" sacramentada pela sessão realizada naquela madrugada, Oscar Passos, representante do PTB do Acre, protestou contra a forma "brutal, ilegal e violenta" como se processou a sessão que declarou vaga a Presidência da República. E completou: "Embora o presidente eleito estivesse dentro do território nacional, declarou-se vago o cargo e foi empossado seu substituto legal". Em resposta ao companheiro de parlamento, Rezende se limitou a declarar que a constatação da ilegalidade da ação tomada pelo Congresso "demandaria um estudo mais amadurecido". Eles estavam plenamente cientes de que agiam à margem da legalidade, e respondiam às objeções com o cinismo, puro e simples. [4]


Havia uma revolução comunista em curso no Brasil?

Não. O PTB, partido de Jango, militava pelas reformas de base e tinha entre seus principais quadros figuras abertamente anti-comunistas. O PCB, força hegemônica nas esquerdas, seguia uma linha reformista e não revolucionária. As posições do partido, reafirmadas no V Congresso do PCB, de 1960, eram de aliança com a burguesia nacional, para a modernização do país e a superação do latifúndio e do imperialismo - eram propostas nacionalistas e modernizadoras, enfim. [5] Parte dessas resoluções foram mantidas, inclusive depois do golpe de 1964. Em seu VI Congresso, realizado em 1967, o PCB se posicionou contra a adoção do método da luta armada como forma de enfrentamento da ditadura. Essa resolução levou a diversas dissidências no interior do PCB, que terminaram por originar os principais grupos guerrilheiros que atuaram no país entre fins da década de 1960 e meados da de 1970. [6]


Isso significa que não existia luta armada antes do golpe de 1964?

Não. Existiam pequenos grupos guerrilheiros, inspirados no maoismo ou embalados pelo sucesso da Revolução Cubana que desenvolveram treinamentos de guerrilha antes do golpe de 1964. É o caso, por exemplo, do Movimento Revolucionário Tiradentes, braço das Ligas Camponesas, que chegou a enviar militantes para treinar em Cuba. Eram, contudo, movimentos pequenos e incipientes, fáceis de serem desbaratados. [7] Ademais, o combate a pequenos grupos armados não justifica a instalação de uma ditadura. A Itália, por exemplo, combateu grupos guerrilheiros na década de 1970, que chegaram a assassinar o ex-primeiro ministro do país, Aldo Moro, durante a vigência de um regime democrático alicerçado no "Compromisso Histórico" entre os Democratas Cristãos e o Partido Comunista Italiano. [8]


As atividades guerrilheiras contra a ditadura devem ser consideradas "crimes comuns"?

Não. Podemos debater sobre a eficácia ou não da luta armada, sobre as inspirações democráticas ou autoritárias de seus membros, mas não podemos negar que, no pensamento ocidental, existe uma larga tradição que considera legítimo o direito à resistência contra a tirania. John Locke, por exemplo, é pontual a respeito da possibilidade de uso de violência pelos indivíduos, quando o contrato social é rompido unilateralmente: “Onde termina a lei, começa a tirania, se a lei for transgredida para prejuízo de outrem. E todo aquele que, investido de autoridade, exceda o poder que lhe é conferido por lei e faça uso da força que tem sob seu comando para impor ao súdito o que a lei não permite, deixa, com isso, de ser magistrado e, agindo sem autoridade, pode ser combatido, como qualquer outro homem que pela força invade o direito alheio". [9]

O direito à rebelião contra a tirania, fundamental em qualquer democracia moderna que se sustente na noção de “soberania popular”, influenciou diversas legislações desde, pelo menos, a Revolução Francesa e a Independência dos EUA. A constituição brasileira de 1946 era taxativa: “Todo poder emana do povo e em seu nome será exercido”. A de 1988 é ainda mais direta: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. [10]

Importante assinalar, entretanto, que não obstante essa tradição filosófica e constitucional que fundamenta o direito à resistência, a Lei da Anistia (Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979), no parágrafo 2º do Art. 1º, excetuou do benefício à anistia: “os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal”. [11] Ou seja, os guerrilheiros tiveram que cumprir suas penas, diferente dos torturadores, que puderam perdoar a si mesmos.


É justificável o uso de tortura no combate à guerrilha?

Não. Antes de mais nada, é preciso advertir que, diferente do que a memória de setores ligados à ditadura pretende nos convencer, o recurso à perseguição, assassinato e tortura não foi utilizado apenas contra guerrilheiros. [12] E, ainda que o fosse, não teria qualquer amparo legal ou moral. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu artigo 5º, estabelece que: “Ninguém será submetido à tortura, nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes”. Na mesma linha, o art. 17º da III Convenção de Genebra, que trata de crimes de guerra, determina: “Nenhuma tortura física ou moral, nem qualquer outra medida coerciva poderá ser exercida sobre os prisioneiros de guerra para obter deles informações de qualquer espécie. Os prisioneiros que se recusem a responder não poderão ser ameaçados, insultados ou expostos a um tratamento desagradável ou inconveniente de qualquer natureza”. Tortura é crime imprescritível, inclusive se usada em situações de guerra. [13]

"Para que nunca se esqueça, para que nunca mais aconteça."


Referências:

[1] BARBÉ, Carlos. Golpe de Estado. In: BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política. Brasília: Editora da UNB, 1998, p. 545-547. OBSERVAÇÃO DO EDITOR: É interessante analisar também o significado do termo "revolução", que também aparece na forma de um verbete no Dicionário de Política citado pelo autor. No vocabulário político, o termo "revolução" se refere a movimentos que geram transformações radicais na ordem social, econômica e política de uma sociedade. "Revolução", portanto, tem um significado bem diferente de "Golpe de Estado". Ver: PASQUINO, Gianfranco. Revolução. In: BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política. Brasília: Editora da UNB, 1998, p. 1121-1131.

[2] O telegrama pode ser consultado na página "Arquivos da Ditadura", que conta com documentos reunidos por Elio Gaspari. Disponível em: <http://arquivosdaditadura.com.br/documento/galeria/telegrama-americano-anuncia-golpe>. Acesso em 31 mar. 2019.

[3] Os dados podem ser consultados em: MELO, Demian Bezerra. A opinião pública às vésperas do golpe de 1964. Marx e o Marxismo, v. 2, n. 2, 2014. Disponível em: <http://www.niepmarx.blog.br/revistadoniep/index.php/MM/article/view/50/53>. Acesso em 31 mar. 2019.

[4] Um resumo da sessão que declarou a vacância da presidência pode ser encontrado na página do Senado Federal: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2013/11/14/tumulto-marcou-sessao-que-decretou-vacancia-do-cargo-de-jango-em-64>. Acesso em 31 mar. 2019. Sobre a anulação pelo Congresso da sessão realizada na madrugada de 2 de abril, ver: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2013/11/21/congresso-anula-sessao-que-afastou-jango-e-abriu-caminho-para-o-golpe-de-1964>. Acesso em 31 mar. 2019. Para o debate a respeito da legalidade da declaração de vacância da presidência travado na tarde do dia 2 de abril, no Senado, consultar os Anais do Senado (Livro 4, 1964): <https://www.senado.leg.br/publicacoes/anais/pdf/Anais_Republica/1964/1964%20Livro%204.pdf>. Acesso em 31 mar. 2019.

[5] Para um breve resumo da trajetória do PCB e suas posições em diversas conjunturas, ver o verbete "Partido Comunista Brasileiro", da FGV-CPDOC, disponível em: <http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/partido-comunista-brasileiro-pcb>. Acesso em 31 mar. 2019. OBSERVAÇÃO DO EDITOR: Para mais detalhes sobre o quão frágil é essa ideia de que haveria uma suposta revolução comunista em curso no Brasil, ver a esclarecedora matéria publicada em 2018 no The Intercept: <https://theintercept.com/2018/09/21/farsa-historia-ditadura-militar-comunista/>. Acesso em 31 de março de 2019.

[6] Para um resumo da resolução do VI Congresso e seus efeitos, consultar a página do Memorial da Democracia: <http://memorialdademocracia.com.br/card/pcb-fecha-questao-contra-luta-armada>. Acesso em 31 mar. 2019.

[7] Para uma breve descrição do Movimento Revolucionário Tiradentes, consultar o verbete sobre o assunto produzido pela FGV-CPDOC: <http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/movimento-revolucionario-tiradentes-mrt>. Acesso em 31 mar. 2019.

[8] Sobre os "Anos de Chumbo", na Itália, ver reportagem do Nexo Jornal: <https://www.nexojornal.com.br/expresso/2019/01/14/O-que-foram-os-anos-de-chumbo-na-It%C3%A1lia-de-Cesare-Battisti>. Acesso em 31 mar. 2019.

[9] LOCKE, John. Dois Tratados sobre o Governo. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 563-564.

[10] É possível acessar a Constituição de 1946 em: <https://www2.camara.leg.br/legin/fed/consti/1940-1949/constituicao-1946-18-julho-1946-365199-publicacaooriginal-1-pl.html>. Acesso em 31 mar. 2019. O acesso à Constituição de 1988 pode se dar pelo link: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em 31 mar. 2019.

[11] Para ler a Lei da Anistia na íntegra, acessar: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6683.htm>. Acesso em 31 mar. 2019.

[12] Para ficarmos em um caso revelado recentemente, ver o depoimento de Paulo Coelho: <https://www.washingtonpost.com/opinions/2019/03/29/paulo-coelho-i-was-tortured-by-brazils-dictatorship-is-that-what-bolsonaro-wants-celebrate/?utm_term=.97a8a6cb487b>. Acesso em 31 mar. 2019.

[13] Para consultar a Declaração Universal dos Direitos Humanos na íntegra: <https://www.ohchr.org/EN/UDHR/Documents/UDHR_Translations/por.pdf>. Acesso em 31 de março de 2019. A III Declaração de Genebra está disponível na íntegra em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Sistema-Global.-Declara%C3%A7%C3%B5es-e-Tratados-Internacionais-de-Prote%C3%A7%C3%A3o/iii-convencao-de-genebra-relativa-ao-tratamento-dos-prisioneiros-de-guerra-1949.html>. Acesso em 31 mar. 2019.