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Texto escrito por Marcello Scarrone e originalmente publicado no site da Revista
de História da Biblioteca Nacional no dia 01 jul. 2014.
No
mapa dos países beligerantes da Primeira Guerra Mundial, o Brasil é um dos
últimos a fincar sua bandeirinha. É em 26 de outubro de 1917 que o país reconhece
e proclama “o estado de guerra iniciado pelo Império Alemão contra o Brasil”,
como confirma o decreto aprovado naquele dia pelo Congresso. Desde abril, com
efeito, as relações com a Alemanha estavam rompidas e, no mês seguinte, a
neutralidade brasileira revogada: tudo devido aos repetidos ataques a navios
comerciais nacionais por submarinos germânicos, o último dos quais, em meados
de outubro, provoca a entrada do Brasil no campo de batalha.
Pouco
mais que simbólica, porém, pode ter sido a participação brasileira no conflito.
O medo de deixar desprotegido o sul do país impediu a mobilização de grandes
contingentes militares, aliado a certa desorganização e despreparo. Assim, além
de repassar para a França parte dos 45 navios alemães apresados nos portos
nacionais, o Brasil resolveu concentrar sua colaboração com as forças da
Entente em três frentes, já no ano de 1918.
Para
apoiar o esforço bélico aliado, uma primeira iniciativa foi o envio de um grupo
de oficiais para a Europa. Treze aviadores fizeram instrução na Inglaterra e
oito deles integraram uma esquadrilha com pilotos britânicos, na Royal Air
Force, empenhados em missões de patrulhamento antissubmarino. Outros oficiais
combateram no front ocidental, servindo principalmente no exército francês,
como José Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, comandante de cavalaria, que chegou
também a ter familiaridade com os tanques durante as operações militares e, em
seguida, favoreceu a importação para o Brasil deste tipo de material bélico
blindado.
A
segunda iniciativa responde pelo codinome de DNOG, isto é, Divisão Naval em
Operações de Guerra, uma divisão criada pela Marinha com a finalidade de
participar do patrulhamento do litoral ocidental da África contra a ação dos
submarinos alemães, liberando também desta incumbência navios britânicos a fim
de que estes pudessem operar em áreas de maior necessidade.
Subordinada,
portanto, à Marinha de Sua Majestade, a pequena divisão brasileira, composta de
quatro contratorpedeiros e dois cruzadores, além de um navio-tênder e um
rebocador, começou sua missão em maio de 1918, com 1.500 homens às ordens do
contra-almirante Pedro Max Fernando de Frontin. Entre vários problemas
mecânicos – os equipamentos das embarcações eram em boa parte obsoletos e de
pouca eficiência – a pequena esquadra alcança a costa africana, fundeando em
Dakar no final de agosto. Ali, o que deveria ser uma simples e rápida etapa
para abastecimento e reparos, transformou-se numa longa e atormentada odisseia.
No começo de setembro, a gripe espanhola, que já estava se difundindo na Europa
e no Mediterrâneo, atinge a tripulação brasileira, causando mais de cem mortes,
provocando o repatriamento de várias dezenas de marinheiros e procrastinando
para fins de outubro a retomada das operações.
A
chegada da divisão em Gibraltar, reduzida em efetivos e embarcações (somente um
cruzador e três contratorpedeiros), após ter escapado fortuitamente de um
submarino inimigo que acabara de afundar o navio inglês Britannia, acontece na
véspera do fim do conflito. Era o dia 10 de novembro. Depois de mais de sete
meses de navegação, dessa vez visitando a convite alguns países europeus,
regressa ao Brasil a missão naval, cuja luta mais severa, afinal, foi contra o
vírus da espanhola.
Em
agosto de 1918 parte do Rio para a Europa a terceira das iniciativas
brasileiras de participação no conflito. Era a Missão Médica Militar, destinada
à França. Sua criação vinha ao encontro do convite do próprio ministro da
França no Rio de Janeiro, o poeta e diplomata Paul Claudel, que tinha
solicitado ao Brasil um reforço médico junto às tropas no front. Formada por
oficiais, soldados e civis, a delegação contava com cerca de 130 membros.
Atingido pela gripe espanhola, após uma ou outra escala em portos do litoral
africano, o grupo perde vários de seus membros, vítimas da doença, e somente no
fim do mês de setembro consegue alcançar Marselha, e depois Paris, de onde os
componentes da missão são redistribuídos em várias cidades e hospitais
franceses, tendo entre suas incumbências, além do tratamento de militares
feridos, os cuidados com os muitos civis afetados pela epidemia.
Uma
das realizações da missão é a instalação do Hospital Brasileiro em Paris,
adaptando o prédio de um antigo convento jesuíta. Com capacidade de 500 leitos,
a unidade é logo destinada ao tratamento de casos de feridos muito graves. Em
meados de 1919, o governo brasileiro doa o hospital e suas instalações à
Faculdade de Medicina de Paris.
Embora
pequena, sua participação militar na guerra permitiu ao Brasil ter parte nas
negociações de paz de Versalhes, onde seus pedidos – relativos ao pagamento do
café que o estado de São Paulo tinha depositado antes do conflito na Europa e
que fora utilizado pelos alemães e quanto à posse dos navios germânicos apreendidos
nos portos nacionais, reconhecidos como propriedade brasileira – são atendidos.
Com o apoio do presidente dos Estados Unidos, Woodrow Wilson, o Brasil também
passa a fazer parte da recém-criada Sociedade das Nações, como membro não
permanente do conselho.
BIBLIOGRAFIA:
GAMA,
Arthur Oscar Saldanha da. A Marinha do Brasil na Primeira Guerra Mundial. Rio
de Janeiro: Capemi, 1982.
GARAMBONE,
Sidney. A Primeira Guerra Mundial e a Imprensa Brasileira. Rio de Janeiro:
Mauad, 2003.
MAIA,
Prado. DNOG: Uma página esquecida da história da Marinha Brasileira. Rio de
Janeiro: Serviço de Documentação Geral da Marinha, 1961.
MARTINS,
Helio Leôncio. “A Participação da Marinha Brasileira na Primeira Grande
Guerra”. In: História Naval Brasileira. Vol. 5. Rio de Janeiro: Serviço de
Documentação da Marinha, 1997.
Revista
de História da Biblioteca Nacional, nº 37, p. 21-34, outubro 2008.