terça-feira, 9 de abril de 2019

Ajuda canarinha (*)

(*) Texto escrito por Marcello Scarrone e originalmente publicado no site da Revista de História da Biblioteca Nacional no dia 01 jul. 2014.

No mapa dos países beligerantes da Primeira Guerra Mundial, o Brasil é um dos últimos a fincar sua bandeirinha. É em 26 de outubro de 1917 que o país reconhece e proclama “o estado de guerra iniciado pelo Império Alemão contra o Brasil”, como confirma o decreto aprovado naquele dia pelo Congresso. Desde abril, com efeito, as relações com a Alemanha estavam rompidas e, no mês seguinte, a neutralidade brasileira revogada: tudo devido aos repetidos ataques a navios comerciais nacionais por submarinos germânicos, o último dos quais, em meados de outubro, provoca a entrada do Brasil no campo de batalha. 

Pouco mais que simbólica, porém, pode ter sido a participação brasileira no conflito. O medo de deixar desprotegido o sul do país impediu a mobilização de grandes contingentes militares, aliado a certa desorganização e despreparo. Assim, além de repassar para a França parte dos 45 navios alemães apresados nos portos nacionais, o Brasil resolveu concentrar sua colaboração com as forças da Entente em três frentes, já no ano de 1918.

Para apoiar o esforço bélico aliado, uma primeira iniciativa foi o envio de um grupo de oficiais para a Europa. Treze aviadores fizeram instrução na Inglaterra e oito deles integraram uma esquadrilha com pilotos britânicos, na Royal Air Force, empenhados em missões de patrulhamento antissubmarino. Outros oficiais combateram no front ocidental, servindo principalmente no exército francês, como José Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, comandante de cavalaria, que chegou também a ter familiaridade com os tanques durante as operações militares e, em seguida, favoreceu a importação para o Brasil deste tipo de material bélico blindado. 

A segunda iniciativa responde pelo codinome de DNOG, isto é, Divisão Naval em Operações de Guerra, uma divisão criada pela Marinha com a finalidade de participar do patrulhamento do litoral ocidental da África contra a ação dos submarinos alemães, liberando também desta incumbência navios britânicos a fim de que estes pudessem operar em áreas de maior necessidade. 

Subordinada, portanto, à Marinha de Sua Majestade, a pequena divisão brasileira, composta de quatro contratorpedeiros e dois cruzadores, além de um navio-tênder e um rebocador, começou sua missão em maio de 1918, com 1.500 homens às ordens do contra-almirante Pedro Max Fernando de Frontin. Entre vários problemas mecânicos – os equipamentos das embarcações eram em boa parte obsoletos e de pouca eficiência – a pequena esquadra alcança a costa africana, fundeando em Dakar no final de agosto. Ali, o que deveria ser uma simples e rápida etapa para abastecimento e reparos, transformou-se numa longa e atormentada odisseia. No começo de setembro, a gripe espanhola, que já estava se difundindo na Europa e no Mediterrâneo, atinge a tripulação brasileira, causando mais de cem mortes, provocando o repatriamento de várias dezenas de marinheiros e procrastinando para fins de outubro a retomada das operações. 

A chegada da divisão em Gibraltar, reduzida em efetivos e embarcações (somente um cruzador e três contratorpedeiros), após ter escapado fortuitamente de um submarino inimigo que acabara de afundar o navio inglês Britannia, acontece na véspera do fim do conflito. Era o dia 10 de novembro. Depois de mais de sete meses de navegação, dessa vez visitando a convite alguns países europeus, regressa ao Brasil a missão naval, cuja luta mais severa, afinal, foi contra o vírus da espanhola. 

Em agosto de 1918 parte do Rio para a Europa a terceira das iniciativas brasileiras de participação no conflito. Era a Missão Médica Militar, destinada à França. Sua criação vinha ao encontro do convite do próprio ministro da França no Rio de Janeiro, o poeta e diplomata Paul Claudel, que tinha solicitado ao Brasil um reforço médico junto às tropas no front. Formada por oficiais, soldados e civis, a delegação contava com cerca de 130 membros. Atingido pela gripe espanhola, após uma ou outra escala em portos do litoral africano, o grupo perde vários de seus membros, vítimas da doença, e somente no fim do mês de setembro consegue alcançar Marselha, e depois Paris, de onde os componentes da missão são redistribuídos em várias cidades e hospitais franceses, tendo entre suas incumbências, além do tratamento de militares feridos, os cuidados com os muitos civis afetados pela epidemia. 

Uma das realizações da missão é a instalação do Hospital Brasileiro em Paris, adaptando o prédio de um antigo convento jesuíta. Com capacidade de 500 leitos, a unidade é logo destinada ao tratamento de casos de feridos muito graves. Em meados de 1919, o governo brasileiro doa o hospital e suas instalações à Faculdade de Medicina de Paris.

Embora pequena, sua participação militar na guerra permitiu ao Brasil ter parte nas negociações de paz de Versalhes, onde seus pedidos – relativos ao pagamento do café que o estado de São Paulo tinha depositado antes do conflito na Europa e que fora utilizado pelos alemães e quanto à posse dos navios germânicos apreendidos nos portos nacionais, reconhecidos como propriedade brasileira – são atendidos. Com o apoio do presidente dos Estados Unidos, Woodrow Wilson, o Brasil também passa a fazer parte da recém-criada Sociedade das Nações, como membro não permanente do conselho.

BIBLIOGRAFIA:

GAMA, Arthur Oscar Saldanha da. A Marinha do Brasil na Primeira Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Capemi, 1982.

GARAMBONE, Sidney. A Primeira Guerra Mundial e a Imprensa Brasileira. Rio de Janeiro: Mauad, 2003.

MAIA, Prado. DNOG: Uma página esquecida da história da Marinha Brasileira. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação Geral da Marinha, 1961.

MARTINS, Helio Leôncio. “A Participação da Marinha Brasileira na Primeira Grande Guerra”. In: História Naval Brasileira. Vol. 5. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação da Marinha, 1997.

Revista de História da Biblioteca Nacional, nº 37, p. 21-34, outubro 2008.



segunda-feira, 8 de abril de 2019

Fantasmas do passado (*)

(*) Texto escrito por Amila Kasumovic e originalmente publicado no site da Revista de História da Biblioteca Nacional no dia 01 jul. 2014. 


Dois tiros, e a Europa colocou-se em marcha irreversível rumo a um conflito generalizado, que se tornou a Primeira Guerra Mundial. Dois tiros disparados na cidade de Sarajevo, atual capital da Bósnia e Herzegovina. O assassinato do herdeiro do trono austro-húngaro, o arquiduque Francisco Ferdinando, em 28 de junho de 1914, deixou marcada uma região que já havia sido palco de milenares disputas territoriais, que depois seria socialista durante boa parte do século XX, e novamente assolada por uma guerra nos anos 1990.

Os fantasmas do passado continuam a assombrar Sarajevo. Tanto tempo depois, e mesmo com a abundância de textos produzidos sobre o tema, muitas questões permanecem em aberto. Como entender o movimento Jovem Bósnia, responsabilizado pelo crime? Qual o papel da Sérvia no atentado? Qual é a percepção atual sobre o jovem assassino Gavrilo Princip?

Em diversos textos, a autoria do atentado é atribuída à organização Jovem Bósnia. O termo “organização”, no entanto, parece inadequado, uma vez que ela não era formalmente reconhecida pelo governo, não possuía um estatuto ou um programa de atividades, nem mesmo um registro de seus membros. Cvetko Popovic, um dos participantes do assassinato, provavelmente nos fornece a melhor definição do movimento: “um molde vazio no qual qualquer escritor poderia alocar conteúdos arbitrários”. Reunia forças jovens na Bósnia e Herzegovina movidas por diferentes convicções políticas e ideológicas, variando do anarquismo e do socialismo ao nacionalismo sérvio e o “iugoslavismo” – o ideal de união dos povos “eslavos do sul”, incluindo os bósnios, para criar a Iugoslávia. Nessa vaga ideia de unificação, a Sérvia teria um papel significativo, equivalente ao que teve o Piemonte na formação do Estado italiano no século XIX. O que aqueles jovens tinham em comum era o ódio direcionado ao Império Austro-Húngaro e o desejo de se libertarem do controle estrangeiro. 

“A juventude progressista nacional iugoslava”, como é comumente chamada pela historiografia, considerava que o desenvolvimento de planos terroristas contra o Império dos Habsburgo era legítimo e justificado. No início do século XX, tiros assassinos soavam por toda a província balcânica. Na Bósnia e Herzegovina, Bogdan Žerajic tentou assassinar o governador provincial Marijan Varešanin no verão de 1910. Na Croácia, o ban (espécie de vice-rei) Slavko Cuvaj foi alvo de atentados em duas ocasiões em 1912, sem sucesso. E há a suspeita de outro ataque contra o ban Ivo Skerlecz, em maio de 1914. Os acontecimentos em Sarajevo foram uma sequência dessas ações.

Vários relatos de membros da Jovem Bósnia dão conta de que seis integrantes concordaram com o assassinado de Francisco Ferdinando durante sua visita a Sarajevo: Gavrilo Princip, Cvetko Popovic, Muhamed Mehmedbašic, Nedeljko Cabrinovic, Vasa Cubrilovic e Tvrtko Grabež. Algumas fontes indicam que Danilo Ilic era o organizador e coordenador do grupo. Muitos outros nomes já foram mencionados como direta ou indiretamente envolvidos no movimento e na execução do atentado, a maior parte deles originária da Bósnia e Herzegovina, mas também havia conspiradores da Sérvia. O papel oficial da Sérvia no planejamento do atentado de Sarajevo e a busca por um responsável pelo estopim da Primeira Guerra Mundial permanecem vitais para os historiadores da Bósnia e Herzegovina. Aceitar o envolvimento da Sérvia no atentado significa dizer que ela também tem sua parcela de culpa pelo início da Guerra. 

A captura de Gavrilo Princip, logo após o atentado em que feriu mortalmente Francisco Ferdinando. (Reprodução / Arquivo O Globo)

As possibilidades de se reconstituir o planejamento do atentado são, infelizmente, muito limitadas. Ainda assim, o historiador Joachim Remak tentou fazê-lo. De acordo com a sua reconstrução dos eventos, após a anexação da Bósnia e Herzegovina pelo Império Austro-húngaro, em 1908, formou-se na Sérvia uma organização chamada “A Defesa Nacional”, com o objetivo de disseminar uma propaganda antiaustríaca. Com o passar do tempo, ela se enfraqueceu e seu papel foi assumido por um movimento mais radical – “Unificação ou Morte”, também conhecido pelo nome de “Mão Negra”. Esta organização era conduzida por oficiais responsáveis pelo golpe de Estado na Sérvia em 1903, quando o rei Pedro I da Sérvia chegou ao trono. A figura principal era o chefe do Serviço de Inteligência Sérvio, o tenente-coronel Dragutin Dimitrijevic Apis. Ele mantinha comunicação ativa com os membros que se encontravam no território da Bósnia e Herzegovina e, no final de 1913, esteve com Danilo Ilic para planejar o que ele acreditava ser o assassinato do governador provincial na Bósnia e Herzegovina. O acordo se confirmou em uma reunião na França com os “revolucionários” da Bósnia e Herzegovina, organizada pelo major Vojislav Tankosic, no início de 1914. 

O plano inicial muito provavelmente se transformou quando os jornais noticiaram a visita do herdeiro ao trono austro-húngaro, Francisco Ferdinando, à Bósnia e Herzegovina. Tudo o que Tankosic precisou fazer foi convocar alguns dos membros da Jovem Bósnia. Muitos historiadores insistem em que a ideia do atentado surgiu em Sarajevo, em círculos próximos ao jornal Srpska rijec, e que isto apenas foi reportado aos membros do “Mão Negra” de Belgrado. Outros consideram que o plano proveio de Apis – codinome do coronel Dragutin Dimitrijevic, radical e belicista – para quem Francisco Ferdinando era um símbolo do domínio estrangeiro, da detestável monarquia.  Historiadores sérvios consideram que uma das justificativas mais aceitáveis para o assassinato de Francisco Ferdinando teria sido a sua ardente defesa da agressiva política externa austro-húngara. Deste modo, a responsabilidade da Sérvia diante dos eventos que originaram a Grande Guerra seria reduzida significativamente. Porém, diversos autores – como Robert Kann, A. J. P. Taylor e Anika Mombauer – argumentam que Francisco Ferdinando pode até ter sido um radical, mas não era um belicista. O Império Austro-húngaro provavelmente estava ciente de que a Rússia também tinha interesses nos Bálcãs, e protegeria a Sérvia. 

A visita do arquiduque (em destaque), que ocorreu no aniversário da Batalha de Kosovo (1389), entre sérvios e otomanos, foi vista por aluns como uma provocação. (Foto: Reprodução / Original da Biblioteca do Congresso Americano - Washington)

A elite política sérvia estava familiarizada com o planejamento do atentado em Sarajevo. As armas utilizadas pelos assassinos foram transportadas da Sérvia. Tudo estava preparado para o ato que deveria acontecer no grande feriado ortodoxo, o dia de São Vito. Era uma data muito significativa para os sérvios: o 28 de junho marcava os 525 anos da Batalha de Kosovo – conflito envolvendo os exércitos sérvio e otomano. Houve avisos de que a visita de Francisco Ferdinando, justamente nessa data, poderia ser considerada uma provocação. Ainda assim ela não foi cancelada. Os assassinos estavam familiarizados com o trajeto da viagem e com a visita ao prédio da prefeitura em Sarajevo. Mas a bomba lançada por Nedeljko Cabrinovic não foi suficiente para alcançar o planejado. Apesar dos feridos, o cortejo prosseguiu inalterado com o herdeiro e sua esposa Sophia. Depois disso houve diversas falhas de segurança, especialmente quando o arquiduque deixou o prédio da prefeitura com a intenção de visitar os feridos no hospital. Os motoristas não possuíam uma rota precisa, e Gavrilo Princip se aproveitou de uma manobra equivocada no trajeto: quando o cortejo parou para remanejar o caminho diante do erro e retornar, ele deu os dois tiros que mataram Francisco Ferdinando e sua esposa. 

Seriam Gavrilo Princip e Nedeljko Cabrinovic os tiranicidas de Sarajevo? Por muito tempo esta pergunta encontrou uma resposta afirmativa. Para os estudantes iugoslavos, aquele fora um ato heroico, progressista e libertador. As ações de Princip por muito tempo foram consideradas como reflexo da máxima socialista de “irmandade e unidade”, um símbolo do histórico “não” ao controle estrangeiro. 

Na década de 1990, a guerra na Bósnia e Herzegovina (1992-1995) trouxe sem piedade novas possibilidades de leitura do passado e forçou uma revisão do que havia sido ensinado. Abriu-se espaço para uma nova interpretação da ação simbólica de Princip: não seria ele um terrorista? Qual monumento deveria estar no local onde ocorreu o atentado de Sarajevo: aquele erigido a Francisco Ferdinando e sua esposa em 1917 (e retirado depois da guerra), ou aquele erigido em homenagem a Gavrilo Princip durante o período socialista (e retirado nos anos 1990)? Cem anos depois, o confronto entre Princip e Ferdinando continua em aberto.



domingo, 7 de abril de 2019

Aspectos gerais da Primeira Guerra Mundial (*)

(*) Texto escrito por Marcello Scarrone e originalmente publicado com o título "Cem anos atrás" no site da Revista de História da Biblioteca Nacional, no dia 01 jul. 2014.


Berlim, Londres, Paris. Mas também Roterdã, Münster, Milão, ou a pequena Sibiu, na Romênia. Em todas essas cidades longas filas de moradores aderiam ao apelo de Europeana, a biblioteca digital europeia: quem possuísse lembranças da Primeira Guerra Mundial, como cartas, diários, fotografias e postais, poderia oferecê-las para a digitalização, a fim de colaborar para a construção de um grande acervo virtual sobre o conflito, por ocasião dos cem anos de seu início.

A empreitada, que começou com uma iniciativa análoga promovida pela Universidade de Oxford ainda em 2008, foi com o passar dos anos crescendo e encontrando apoio em prestigiosas instituições públicas europeias, como a Biblioteca Estadual de Berlim e a Biblioteca Nacional de Paris. Hoje, mais de 20 países aderem ao projeto cujo nome é “1914-1918 – Histórias inéditas e histórias oficiais da Primeira Guerra Mundial”, com muitas jornadas de coleta de documentos já realizadas, e outras ainda previstas em vários deles. Assim, antigas prateleiras empoeiradas, velhos baús, caixinhas de lembranças e álbuns de família adquiriram status de acervo: o evento bélico de 1914-1918, afinal, atravessou e modificou a vida da maioria das famílias europeias, e não só, da época. Trata-se de um museu digital sobre a Grande Guerra, em parte constituído de documentos de arquivos públicos, em parte fruto de milhares de acervos privados. 

Paralelamente à iniciativa de Europeana, várias instituições de pesquisa reorganizaram seus arquivos, ou começaram a digitalizar parte deles, como fizeram os National Archives, em Londres, com os diários de combatentes britânicos.  Os próprios governos europeus destinaram recursos para financiar a memória e a pesquisa histórica em torno da Primeira Guerra. França e Bélgica reservaram para as celebrações do centenário cerca de 100 milhões de euros; o Reino Unido, 56 milhões; a Itália, 34 milhões. Até países não europeus se mobilizaram: a Austrália, mesmo com uma participação menor no conflito, disponibilizou 96 milhões.

Cem anos se passaram, mas a guerra marcou de forma profunda o imaginário popular, até porque dos problemas não solucionados que o conflito deixou brotaram experiências trágicas, como os fascismos e a própria Segunda Guerra Mundial. Quando se pensa nos eventos de 1914-1918, desencadeados pelo atentado em Sarajevo, um elemento paradoxal salta aos olhos. De um lado, há um sistema de alianças pacientemente costurado durante anos entre França, Grã-Bretanha e Rússia (a Tríplice Entente), em contraposição ao acordo da Tríplice Aliança, entre os dois Impérios Centrais (Alemanha e Áustria-Hungria) e a Itália. Alianças defensivas, nas quais cada um dos membros cultivava algum sentimento de revanche, ou de desconfiança diante de um ou outro dos adversários – como a França com a Alemanha, reivindicando territórios perdidos na guerra de 1871; ou como dois impérios, o austríaco e o russo, ambos não escondendo ambições territoriais e de influência na península balcânica; ou ainda a crescente força industrial e comercial da Alemanha, que a colocava inevitavelmente em aberta luta pela supremacia mundial com a Inglaterra, a superpotência da época, embora um tanto declinante. Alianças defensivas suportadas por arsenais bélicos cada vez mais alimentados e renovados.

Do outro lado, curiosamente, nos anos que antecedem a eclosão das hostilidades, as trocas entre os vários países constituem o cimento de uma era que acabará sendo definida, a posteriori, de Belle Époque, período de ouro da vida social, intelectual e artística europeia. Um clima cosmopolita caracteriza as sociedades das décadas do fim do século XIX e do começo do XX, e a burguesia da Europa, de qualquer idioma, se sente em casa, seja no Opéra de Paris, seja em Marienbad ou em Baden-Baden – cidades termais pertencentes uma ao império austríaco e a outra ao alemão –, em Londres ou em Berlim. As próprias casas reinantes se frequentam por ocasião de casamentos, funerais, coroações, sem esquecer os laços de parentesco entre os próprios monarcas: Guilherme II da Alemanha é primo do rei inglês Jorge V, e também do czar Nicolau II. Em breve, porém, esses laços não os impedirão de se lançarem em guerra um contra o outro, e sobre a Belle Époque descerá definitivamente a cortina.  

Assim, nas primeiras semanas de agosto de 1914, em ruas, praças e estações ferroviárias, multidões assistem entusiasmadas à passagem das tropas em marcha para o front, em Viena, em Berlim em Paris. Os sentimentos patrióticos se reforçam: contrários à guerra e tradicionalmente pacifistas, até os expoentes do movimento socialista, fora poucas exceções, acabam se perfilando atrás da bandeira nacional, na França como na Alemanha, e abraçam a causa da nação. A fraternidade internacional dos trabalhadores, acima de fronteiras e Estados, por definição alheia a qualquer guerra feita em nome do imperialismo, parece derrotada em suas intenções e propósitos.  

A historiografia dedicou páginas e páginas à investigação das causas e das responsabilidades da Guerra: enfatizando a agressividade alemã, frisando o desejo de revanche dos franceses, apontando para os interesses das potências europeias nos Bálcãs, ou dando ênfase à competitividade exacerbada entre Inglaterra e Alemanha para a conquista e o controle dos mercados. Nenhuma explicação é satisfatória quando isolada das outras: um conjunto de fatores, atitudes e situações conduz na verdade para a guerra, numa Europa onde ninguém talvez a deseje realmente, mas onde todos, sem dúvida, estão se preparando para uma possível eclosão.  

E aquelas mesmas tropas triunfalmente saudadas pela população de cada nação em breve se encontram estacionadas, entre lama e arame farpado, de um lado e do outro de longuíssimas trincheiras, em especial na frente ocidental, mas também no front entre Áustria e Itália. A trincheira surge assim como o símbolo dos quatro longos anos de guerra, com seu trágico aspecto de espera interminável do ataque inimigo e de uma morte que pode chegar de uma hora para outra, vinda através de um morteiro, de uma metralhadora, de um canhão. Um lugar onde a vida parece não ter mais valor, à mercê do fogo inimigo, de ratos, frio e doenças. Nada de novo no front, titulo do romance do alemão Erich Maria Remarque, retrata exatamente a monotonia alucinante dessa experiência para centenas de milhares de soldados.

Mobilizando homens e recursos, subtraindo forças aos trabalhos agrícolas e fabris, a guerra altera o espaço urbano e rural: na Europa e em parte também nas possessões coloniais. A sociedade civil acaba diretamente afetada, tanto em cidades e vilas mais próximas dos combates quanto em outras, trazendo alterações na economia, a intensificação da produção militar e a utilização cada vez mais intensa da mão de obra feminina.   

A Primeira Guerra Mundial seria também o conflito que acabaria desencadeando a Revolução Russa, primeiro, em sua manifestação de fevereiro de 1917, depois, na chegada ao poder do movimento bolchevique, em outubro, com a saída do país da guerra em março do ano seguinte. Da mesma forma, seria o conflito que assinalaria o fim do isolacionismo norte-americano: os Estados Unidos declaram guerra aos Impérios Centrais em 1917 e deslocam ingentes tropas para o continente europeu no ano seguinte, fato que terá um peso decisivo no desfecho vitorioso da luta em favor da Entente. 

Os grandes impérios de antes da guerra desmoronam, um após o outro. O czar Nicolau II é executado na Rússia, o kaiser Guilherme II, exilado, assim como o imperador austríaco Carlos I, e repúblicas se estabelecem na Alemanha e na Áustria derrotadas. O próprio Império Otomano, aliado dos Impérios Centrais, perde, com os tratados de paz, Palestina, Síria, Líbano e Mesopotâmia em favor de França e Reino Unido, e caminha rumo ao seu fim, que ocorrerá em 1923. 

O mundo é realmente outro, após e em virtude da guerra: a “primeira mundial”. Devido também aos problemas deixados em aberto pelos tratados de paz, uma segunda, ainda mais sangrenta e destruidora, em breve se desenhará no horizonte.



sábado, 6 de abril de 2019

A Grande Guerra, ou, a Primeira Guerra Mundial (1914-1918)

Olá a todos,

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Atenciosamente,

Prof. Dr. Rodrigo F. Dias



terça-feira, 2 de abril de 2019

O Início do Século XX: novas tecnologias e transformações

Olá a todos,

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Atenciosamente,

Prof. Dr. Rodrigo Francisco Dias