(*) Texto escrito por Luis Barrucho e originalmente publicado
no site da BBC News Brasil, no dia
07 de setembro de 2018. Para ver o texto conforme publicado no site de origem, clique aqui. Com ilustrações de Cecilia Tombesi e Kako Abraham.
BBC News Brasil conversou com historiadores para entender
causas que levaram à unificação do Brasil e à fragmentação
de seus vizinhos. (Ilustração: Kako Abraham)
Há exatos 196 anos, em 7 de setembro de 1822, o
Brasil ganhava sua independência de Portugal.
Mas
por que a América portuguesa se tornou um único país, enquanto a América
espanhola se fragmentou em outros tantos?
Não
há apenas uma única razão, mas várias, segundo historiadores com quem a BBC
News Brasil conversou. E, para quem busca respostas fáceis, um alerta. Não há
unanimidade nas conclusões.
Ilustração: Cecilia Tombesi.
Maiores
distâncias, diferentes estilos de administração
Uma
das causas tem a ver com a distância geográfica entre as cidades das antigas
colônias e a forma como as duas possessões eram administradas por suas
respectivas metrópoles.
Ainda
que a colônia portuguesa tivesse dimensões continentais, a maior parte da
população se concentrava em cidades costeiras, enquanto o interior permanecia
praticamente inexplorado, lembra à BBC News Brasil o historiador mexicano
Alfredo Ávila Rueda, da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM).
Tratado de Tordesilhas, de 1494, foi assinado por Portugal e Castela (Espanha).
Biblioteca Nacional de Portugal.
"É
verdade que, hoje, o Brasil é um país enorme, com mais de 8 milhões de km².
Mas, na prática, na época da independência, as principais cidades se
concentravam no litoral. As distâncias entre as cidades eram, assim, menores do
que na América Espanhola. O interior era praticamente território que não era
controlado pela Coroa portuguesa", diz.
Já
a América Espanhola era formada por quatro grandes vice-reinados: Nova Espanha,
Peru, Rio da Prata e Nova Granada, com poucos vínculos - senão comerciais -
entre si. Cada um deles respondia à Coroa e tinha vida própria.
Ou
seja, eram administrados localmente. Além disso, foram criadas capitanias que
tinham governos independentes desses vice-reinados, como as da Venezuela,
Guatemala, Chile e Quito, acrescenta Ávila Rueda.
"A
administração espanhola se deu em torno de duas 'sub-metrópoles': México e
Peru. Isso não aconteceu no Brasil, onde a administração era muito mais
centralizada", explica o historiador mexicano.
Ilustração: Cecilia Tombesi.
Diferenças
entre as elites
Outra
causa está relacionada à formação e à representatividade das elites nas duas
colônias, na opinião do historiador brasileiro José Murilo de Carvalho.
No
Brasil, a elite era muito mais homogênea ideologicamente do que a espanhola,
diz ele.
Carvalho
argumenta que isso se deveu à tradição burocrática portuguesa. Portugal nunca
permitiu a criação de universidades em sua colônia. Escolas superiores só foram
criadas após a chegada da corte, em 1808. Assim, os brasileiros que quisessem e
pudessem ter formação universitária tinham que viajar a Portugal, sobretudo à
cidade de Coimbra.
"Diante
de um pedido para se criar uma escola de Medicina em Minas Gerais, no século
18, a resposta da Corte foi: agora pedem uma faculdade de Medicina, daqui a
pouco vão pedir uma faculdade de Direito e, em seguida, vão querer a
independência", exemplifica o historiador brasileiro.
Quando
se formavam, esses ex-alunos voltavam ao Brasil e acabavam ocupando cargos
importantes na administração da colônia. Ou seja, um desembargador em
Pernambuco formado em Coimbra tinha grandes chances de conhecer um
desembargador do Rio de Janeiro também diplomado na mesma universidade, ou de
ter conhecidos em comum, o que, na opinião de Carvalho, favoreceu um sentimento
de unidade na colônia.
"Esses
estudantes luso-brasileiros em Coimbra tinham organização própria.
Envolveram-se no mesmo ensino que os portugueses e foram absorvidos pela
burocracia da Corte, sendo enviados a todos os pontos do império português - do
Brasil à África. Portugal tinha uma população muito pequena à época e não havia
gente suficiente para administrar seu império. Acabou dependendo dos
brasileiros treinados lá", diz.
"Eles
formaram grande parte da elite política brasileira até cerca de 1850, como
ministros, conselheiros de Estado, deputados e senadores", acrescenta.
Segundo
Murilo de Carvalho, essa formação da elite brasileira em Portugal acabou por
favorecer a obediência à figura real e a crença nas virtudes do poder
centralizado.
Entre
1772 e 1872, passaram pela Universidade de Coimbra 1.242 estudantes
brasileiros.
Por
outro lado, na América Espanhola, durante esse mesmo período, 150 mil
estudantes se formaram em universidades locais, diz Carvalho. Havia pelo menos
23 universidades na colônia, três delas apenas no México. Só a Universidade do
México formou quase 40 mil estudantes.
Dessa
forma, argumenta o historiador, quando os movimentos de independência na
América Espanhola começaram a ganhar força, no século 19, eles surgiram
coincidentemente nos locais onde havia universidades. E praticamente todos
esses locais com universidades acabaram dando origem a um país diferente.
Ávila
Rueda contesta, contudo, essa última hipótese. "Essas universidades eram,
em sua maioria, reacionárias...aliadas à Coroa espanhola", diz.
"A
Universidade do México, por exemplo, era muito reacionária, a tal ponto que, em
1830 (após a independência do México), o governo mexicano decidiu fechá-la
porque acreditava que não seria possível reformá-la", acrescenta.
Neste
sentido, o historiador mexicano diz acreditar que a livre circulação de
impressos (jornais, livros e panfletos) na América espanhola, que não era
permitida na América portuguesa (a proibição só foi revertida em 1808, com a
chegada da corte portuguesa ao Brasil), teve papel muito mais importante na
construção de identidades regionais do que propriamente as universidades.
"Já
na América portuguesa, tudo o que era consumido vinha de Portugal, o que gerava
esse vínculo muito forte com a metrópole", lembra.
Mas
fato inconteste era que, na América espanhola, os nascidos na colônia, os
chamados criollos, a elite local (grandes proprietários de terras,
arrendatários de minas, comerciantes e pecuaristas) eram desprezados em relação
aos nascidos na Espanha, os Peninsulares.
Até
1760, quando a Espanha era governada pela dinastia dos Habsburgo, as colônias
tinham bastante autonomia.
Mas
tudo mudou com as reformas borbônicas feitas pelo rei espanhol Carlos 3º.
Naquele momento, a Espanha precisava aumentar a extração de riqueza de suas
colônias para financiar a manutenção de seu império e guerras nas quais estava
envolvido.
Com
isso, a Coroa decidiu expandir os privilégios dos peninsulares - colonos
nascidos na Espanha -, que passaram a ocupar os cargos administrativos
anteriormente destinados aos criollos.
Ao
mesmo tempo, as reformas realizadas pela Igreja Católica reduziram os papéis e
os privilégios do baixo clero, que também era formado em sua maioria por
criollos.
Declaração de Guerra de Dom João VI a Napoleão Bonaparte.
Biblioteca Nacional de Portugal.
Família Real Portuguesa fugiu de Portugal rumo ao Brasil
por causa de Napoleão Bonaparte. Câmara Municipal de Lisboa.
Napoleão
invade Portugal...e a família real portuguesa foge para o Brasil
Outro
motivo que explica a manutenção da unidade do Brasil, senão o mais importante,
foi a fuga da família real portuguesa para sua então maior colônia, de acordo
com os historiadores.
Em
1808, com a invasão de Portugal por Napoleão Bonaparte, o príncipe regente João
fugiu para o Rio de Janeiro, transferindo não somente a corte, mas toda a
burocracia do governo: arquivos, biblioteca real, tesouro público e cerca de 15
mil pessoas. O Rio de Janeiro virou, então, a sede político-administrativa do
império. A presença do rei em território brasileiro serviu como fonte de
legitimidade para que a colônia se mantivesse unida.
"O
rei era um herdeiro legítimo do poder. Temos dificuldade de entender a
importância disso hoje, mas naquela época a figura de Dom João 6º como monarca
tinha muita força", diz à BBC News Brasil o historiador americano Richard
Graham, professor emérito da Universidade do Texas e considerado um dos maiores
especialistas em história da América Latina nos Estados Unidos.
Carvalho
explica que a "transferência trouxe para o Brasil toda a burocracia
portuguesa. Portugal passou a ser uma dependência. Desenvolveu-se, portanto, um
foco de legitimidade política no país".
"Se
Dom João não tivesse vindo para o Brasil, o país teria se dividido em cinco ou
seis países. Os lugares de maior desenvolvimento econômico, como Pernambuco e
Rio de Janeiro, teriam conseguido sua independência", assinala.
Napoleão Bonaparte forçou o rei espanhol Fernando VII a abdicar do
trono em favor de seu irmão, José (mais tarde José I, da Espanha, retratado no quadro).
Museu Nacional do Castelo de Fontainebleau.
Enquanto
isso, o rei espanhol é forçado a abdicar do trono...
Na
Espanha, contudo, essa fonte de legitimidade foi questionada após a invasão de
Napoleão. Ele forçou o rei espanhol, Carlos 4º e seu filho, Fernando 7º, a
abdicar do trono a favor de seu irmão, José Bonaparte (mais tarde José 1º da
Espanha).
Na
colônia, a notícia caiu como uma bomba. Aqueles que viviam na América Espanhola
já não sabiam mais a quem obedecer. Surgiram juntas administrativas, muitas das
quais no começo governavam em nome de Fernando 7º, recusando-se a receber
ordens de juntas semelhantes formadas na Espanha (após a invasão de Napoleão, o
governo espanhol foi dividido em inúmeras juntas administrativas).
Quando
Napoleão foi derrotado, esses líderes locais já tinham experiência de
autogoverno. Reconduzido ao trono em 1814, Fernando 7º não garantiu a autonomia
deles e tentou usar a força para restabelecer a submissão das colônias.
Esse
fato aliado à política discriminatória por parte da Coroa Espanhola em relação
aos nascidos nas Américas fez com que eles se rebelassem, inspirados pelos
ideais iluministas espalhados pelas revoluções americana e francesa.
Dom João VI chegou ao Brasil em 1808. MNBA.
Com
o apoio de outras castas, eles travaram lutas sangrentas contra a Espanha por
independência, entre 1809 a 1826.
Por
outro lado, quando Napoleão foi derrotado, Dom João 6º elevou o Brasil à
condição de Reino Unido a Portugal. Também permaneceu no Rio de Janeiro até que
as cortes exigissem seu retorno a Lisboa, em 1820, e aceitasse uma constituição
liberal.
Dom
João 6º deixou seu filho, Pedro, como príncipe regente no Brasil, e em 1822,
Pedro tornou o Brasil independente, coroando a si mesmo como Dom Pedro 1º. O
Brasil ganhou então a independência como uma monarquia constitucional.
Segundo a narrativa oficial, Dom Pedro I teria proclamado a Independência do Brasil às margens do Rio Ipiranga. Museu do Ipiranga.
Temor
social
Preocupações
econômicas e sociais também contribuíram fortemente para assegurar a unidade do
Brasil.
Segundo
Graham, fazendeiros e homens ricos das cidades acabaram aceitando uma
autoridade central por dois motivos: a ameaça de desordem social e o apelo de
uma monarquia legítima.
Um
possível desmembramento do Brasil em diferentes países poderia colocar em xeque
o firme controle social desejado pelos proprietários de terras e escravocratas.
Inicialmente, eles achavam que conseguiriam manter o respeito e a obediência,
mas revoltas populares provaram o contrário, na prática. No Haiti, por exemplo,
a independência significou o fim da escravidão.
Embora
o Brasil tenha conseguido sua independência de Portugal sem recorrer à luta
militar generalizada, os líderes regionais procuravam maior liberdade em
relação à capital, o Rio de Janeiro, diz Graham.
Mas,
com o tempo, eles perceberam que essa vontade de reivindicar um autogoverno regional
ou a independência completa do governo centralizado poderia enfraquecer sua
autoridade, não somente sobre os escravos, mas também sobre as classes
inferiores em geral. Ou seja, temiam a desordem social.
"É
importante lembrar que o Brasil era um país de escravos. Eles compunham grande
parte da população. Era muito perigoso que as classes dominantes começassem a
brigar entre si e colocassem em risco sua legitimidade", destaca Graham.
"Essa
classe dominante temia que esses escravos pudessem aproveitar-se de suas
divisões internas para se rebelar", acrescenta.
Na
América Espanhola, por outro lado, diz o historiador americano, "as elites
(...) aprenderam que poderiam lidar muito bem com uma população irrequieta.
Todos os países hispano-americanos tomaram medidas que objetivavam terminar com
a escravidão, possivelmente para diminuir o perigo da revolta escrava. Mestiços
(e alguns mulatos, como na Venezuela), tinham o comando de forças militares e
eram frequentemente recompensados com posse de terras tomadas dos
monarquistas", diz.
Estatísticas
sobre o comércio de escravos embasam tal hipótese.
Ilustração: Cecilia Tombesi.
Entre
1500 e 1866, a América Espanhola recebeu 1,3 milhão de escravos trazidos da
África. No mesmo período, desembarcaram no Brasil 4,9 milhões, segundo dados da
The Trans-Atlantic Slave Trade Database, um esforço internacional de
catalogação de dados sobre o tráfico de escravos - que inclui, entre outros, a
Universidade de Harvard.
O
levantamento foi possível porque os escravos eram uma mercadoria, registrada na
entrada e saída dos portos, sobre a qual incidia cobrança de impostos. Nenhum
outro lugar do mundo recebeu tantos escravos.
Levantamento de 2 de maio ocorrido em 1808 em Madri e duramente reprimido. Foi o estopim para a Guerra de Independência Espanhola. Museu do Prado.
Fragmentação
em vários países
Mas
por que as fronteiras dos países recém-independentes na América Espanhola não
se mantiveram as mesmas das dos quatro vice-reinados? Ou seja, por que houve
tanta fragmentação?
Explica
Ávila Rueda: "Na época colonial, o conceito de fronteira era distinto do
dos Estados modernos. O que havia era um sistema de jurisdição, não de
fronteiras. E as diferentes jurisdições às vezes se sobrepunham umas às
outras".
Ele
cita o caso do vice-reinado de Nova Espanha (território que compreende parte
dos Estados Unidos, México e América Central).
"Em
termos de governo, o vice-rei tinha controle sobre praticamente todo o
território, salvo as regiões mais ao norte, que eram independentes neste
sentido. Mas, a nível fiscal, o governo do México tinha controle sobre essas
regiões. Já em relação a questões jurídicas, a gestão era totalmente
diferente".
"Assim,
houve conflitos bélicos muito fortes para delimitar essas fronteiras no século
19, inclusive após a independência", acrescenta.
Ávila
Rueda lembra que, com a abdicação de Fernando 7º, ocorre um processo em que os
territórios provinciais passam a lutar por "mais autonomia".
"Julgamos
o passado a partir do nosso ponto de vista atual. Achamos que o vice-reinado de
Nova Espanha se manteve como um país unido, que é o México atual. Mas nos
esquecemos que depois da independência, surgiu o império mexicano, que incluía
a atual América Central. Posteriormente, com a dissolução do império mexicano,
se estabeleceram a federação mexicana e a federação centro-americana, que mais
tarde se desintegraria em outros países", diz.
Argentino José de San Martín é também conhecido como o libertador de
Argentina, Chile e Peru. Museu Histórico Nacional da Argentina.
"Houve
um processo de fragmentação na América Espanhola. Eventualmente, algumas dessas
províncias formam confederações para ter força militar e se defender de outros
inimigos. Ou são unidas à força, como fez Simón Bolívar", acrescenta.
Graham
concorda. "Se você vai se tornar independente da Espanha, por que
continuaria a se submeter aos mandos e desmandos de Buenos Aires, por exemplo?
A divisão por vice-reinos era burocrática. E as fronteiras atuais dos países da
América Latina demoraram para ser consolidadas. Não era possível prevê-las
antes de 1810, pois resultaram de disputas internas após a independência",
explica.
Mas
é importante lembrar que também houve na América Espanhola planos de
unificação, que não avançaram.
Militar e estadista, Bernardo O'Higgins foi uma das principais figuras militares
fundamentais do movimento de independência do Chile.
Instituto Geográfico Militar de Chile.
Em
1822, Simón Bolívar e José de San Martín, duas das figuras mais importantes da
descolonização da América Espanhola, reuniram-se na cidade de Guayaquil, no
Equador, para discutir o futuro da América Espanhola.
Enquanto
Bolívar era partidário da unidade das ex-colônias (ele forçou a unificação da
Colômbia e da Venezuela) e a formação de uma federação de repúblicas, San
Martín defendia a restauração da monarquia, sob a forma de governos liderados
por príncipes europeus. A ideia de Bolívar voltou a ser discutida no Congresso
do Panamá, em 1826, mas acabou rejeitada.
E
se Fernando 7º tivesse feito o mesmo que D. João 6º e transferido a corte às
Américas, o mapa da América Latina seria diferente do que é hoje?
Em
um artigo, o historiador americano William Spence Robertson, já falecido, cita
a frase de um observador espanhol em 1821: "O México não aceitaria as leis
que fossem sancionadas em Lima; nem Lima aceitaria as leis que fossem
sancionadas no México".
Agustín de Iturbide foi declarado imperador do México como Agustín I após a independência em relação à Espanha. CASAIMPERIAL.ORG
"A
principal pergunta, portanto, é onde ele escolheria se estabelecer. Não acredito
que o México permaneceria leal a um rei estabelecido em Lima e não em
Madri", diz Graham.
Documento "Declaração ao Mundo" ou "Notas para a História" foi encontrado
junto ao corpo de Agustín de Iturbide após sua execução; o sangue sobre o papel é do próprio Agustín. World Digital Library.
"Mas
certamente (se Fernando 7º tivesse se transferido às Américas) haveria menos
divisões do que, na verdade, ocorreu", acrescenta.
Isso
porque os reis oferecem legitimidade.
Tanto
é que, na Argentina, quando um congresso em 1816 declarou a independência das
"Províncias Unidas", Juan Martin de Pueryrredón, nomeado diretor
dessa entidade, tentou, nos três anos seguintes, em vão buscar alguém na Europa
com vínculo real para se tornar rei das Províncias Unidades do Rio da Prata.
"A
própria mulher de Dom João, Dona Carlota Joaquina, tinha vontade de se tornar
rainha do Prata", lembra Murilo de Carvalho.
Já
no México, quando as cortes espanholas se recusaram a reconhecer a
independência mexicana e a permitir que um membro da realeza aceitasse o trono
do império mexicano, Agustín Iturbide, um dos mentores da independência, forjou
uma eleição ao fim da qual foi coroado imperador, como Agustín 1º.
No
Peru, também foi aventada a possibilidade de um príncipe espanhol liderar uma
monarquia independente.
Militar liberal e líder político venezuelano, Simón Bolívar foi um dos primeiros a lutar pela descolonização da América Espanhola. Coleção do Banco Central da Venezuela.
Rebeliões
no Brasil
Mas
o processo de unificação territorial no Brasil tampouco foi totalmente
pacífico. Houve movimentos de caráter emancipacionista em Minas Gerais (1789),
na Bahia (1798), em Pernambuco (1817).
No
entanto, essas revoltas foram mais fomentadas por um sentimento de autonomia do
que propriamente por um desejo de ruptura entre a colônia e a metrópole.
Tiradentes participou da Inconfidência Mineira, mas a revolta não tinha desejo de libertação de todo o território brasileiro. Museu Mariano Procópio.
Um
exemplo emblemático disso foi a chamada Inconfidência Mineira, liderada por
Tiradentes em Minas Gerais (1789). Não havia nessa conspiração
antimetropolitana nenhum desejo de libertação de todo o território.
Quando
Dom Pedro 1º declarou a Independência do Brasil, em 1822, por exemplo, a maior
parte das províncias do norte foram contra e permaneceram leais a Portugal, até
defrontarem-se com uma força vinda do Rio de Janeiro.
Ainda
assim, como lembra Graham, "mesmos os grupos do sul que declaram sua aliança
a D. Pedro 1º, em meados de 1822, não significavam o triunfo do nacionalismo.
Ao contrário, eles simplesmente preferiam o domínio dele, com a promessa de
autonomia local, ao domínio das cortes portuguesas, que ameaçava essa
autonomia".
Ávila
Rueda acrescenta ainda que, "como na América portuguesa não houve uma
guerra de independência e sim uma continuidade com a transferência da corte, o
governo do Rio de Janeiro tinha mais força para suprimir essas rebeliões".
"Em
contrapartida, o governo do México não tinha força suficiente para evitar o
desmembramento da América Central. Tampouco o governo de Buenos Aires em
relação a Uruguai ou Paraguai", acrescenta.
'Acordo
de interesses'
Segundo
a historiadora brasileira Lilia Schwarcz, "a independência do Brasil foi
uma solução de compromisso entre as elites, no sentido de primeiro evitar uma
mudança estrutural na então colônia que se tornaria um país e evitar grandes
conturbações sociais", diz.
"Houve
um ajuste entre as várias elites locais no sentido de preservar a escravidão,
evitar o formato de uma revolução, inclusive sabendo do que havia ocorrido na
América Espanhola e conseguir manter o país unificado", acrescenta.
Graham
concorda. "O governo central não foi imposto às pessoas influentes ou até
mesmo "vendido" a eles. Eles (a elite brasileira) o escolheram",
assinala.
"Eles
procuravam legitimidade porque, sem ela, sua autoridade local permanecia
relativamente fraca. Eles desejavam fortalecer a hierarquia porque ela
validaria a sua própria posição local predominante. Para alcançar esses
objetivos, eles construíram um estado central, simbolizado no imperador. A
monarquia tinha sua utilidade".
Sentença contra líderes da Inconfidência Mineira. Arquivo Nacional do Brasil.
"A
presença do imperador foi fundamental. As elites pretendiam que o imperador
fosse uma espécie de símbolo a unificar as diferentes províncias e que, de
alguma maneira, ele fizesse uma passagem não tão convulsionada como no restante
da América Espanhola. Sabemos que a história não foi bem assim, mas foi o que
aconteceu no momento da independência", diz Schwarcz.
Por
fim, a opção por um governo central, além de afastar o espectro de uma anarquia
social, também favorecia estender o poder dessas elites, uma vez que cabia a
elas as indicações aos cargos públicos, como oficiais da Guarda Nacional,
delegados de polícia e juízes.
"Eles
vieram a considerar o governo central como apropriado e útil para fins
pessoais", diz Graham.
Já
no fim do século, com a unidade do Brasil já assegurada e a escravidão abolida,
as elites já não precisavam mais "de um símbolo vivo do estado" para
estabelecer sua legitimidade.