domingo, 16 de setembro de 2018

Idade Média: tempo de transformações

A Idade Média muitas vezes é descrita como uma época de estagnação econômica e de poucas mudanças. Todavia, neste período histórico houve uma série de transformações de ordem econômica, política e também social. Especialmente a partir do ano 1000, o que se viu foram muitas mudanças na realidade do continente europeu, tais como a diminuição das invasões, a redução no número de epidemias, maior estabilidade e crescimento populacional.

Além disso, durante o período medieval houve uma notável quantidade de inovações tecnológicas. A charrua - arado de ferro - substituiu o arado de madeira, permitindo que se fizesse sulcos mais profundos no solo e que se revolvesse melhor a terra. Outra mudança importante, foi que o cavalo passou a ser usado com mais frequência para puxar os novos arados, e não mais o boi. O moinho de água passou a ser cada vez mais usado para moer cereais, enquanto que os moinhos de vento - introduzido pelos árabes entre os séculos XII e XIII - revelaram-se muito úteis para drenar a água de muitas regiões. Outra novidade foi a rotação trienal de culturas no cultivo da terra. Por meio dessa técnica, a área cultivável era dividida em três partes, mas em apenas duas se semeava alguma coisa. Na terceira parte do solo não se plantava nada, de modo a permitir que um pedaço da terra ficasse em descanso para recuperar a sua fertilidade. Nos anos seguintes, por meio de uma espécie de rodízio, mudava-se a função de cada parte do solo, conforme o esquema abaixo:

Esquema que mostra como funcionava a rotação trienal de culturas.
Imagem da internet.

Todas essas inovações na agricultura permitiram que houvesse um aumento na qualidade e na quantidade da produção agrícola. Isso favoreceu o aumento demográfico e, entre os anos de 1000 e 1300, a população europeia foi de 42 milhões para 73 milhões de pessoas. Com mais alimentos sendo produzidos, o excedente agrícola passou a ser vendido, o que reaqueceu o comércio. Com isso, o dinheiro voltou a circular com mais frequência e alguns camponeses chegavam a comprar a sua liberdade. Alguns acabaram indo para as cidades, enquanto que outros optaram por permanecer no campo recebendo salários em alguns casos.


Um vendedor de frutas e um vendedor de cereais vendem suas mercadorias em um
mercado medieval. Iluminura atribuída a Cristoforo de Predis (c. 1440-1486).

A circulação de mercadorias foi estimulada também pelas Cruzadas, por meio das quais os produtos do Oriente (como as especiarias, por exemplo) eram trazidos para a Europa. A intensificação do comércio favoreceu o surgimento de feiras regulares que normalmente eram realizadas nos cruzamentos das rotas comerciais. Com o passar do tempo, nos locais em que se realizavam as feiras começaram a aparecer e a se desenvolver muitas cidades. Aglomerações humanas também se formavam perto dos muros das abadias e dos castelos, sendo chamadas de burgos, locais onde o comércio era muito intenso.


Imagem aérea e atual do castelo em torno do qual surgiu a cidade de Carcassone (França). Na Idade Média era comum que aglomerações humanas se formassem nas proximidades dos muros dos castelos. 

Quando uma cidade surgia dentro ou perto de um feudo, os seus habitantes deviam uma série de taxas ao senhor feudal. Para conquistar a sua independência administrativa, os habitantes das cidades - em especial os comerciantes, que muitas vezes eram chamados de burgueses - buscavam obter as cartas de franquia. Essa carta era um documento por meio do qual os moradores da cidade ganhavam o direito de administrá-la por conta própria. Para as cidades, passaram a ir não apenas senhores feudais endividados, mas também servos e vilões que buscavam melhores condições de vida. Quando um camponês chegava à cidade, era comum que ele começasse a trabalhar com atividades artesanais.

Nas cidades, as mercadorias eram produzidas nas oficinas, que geralmente tinham um mestre que ficava com a maior parte dos lucros. Abaixo do mestre, estavam os oficiais, os jornaleiros e os aprendizes. No intuito de eliminar a concorrência, os mestres se organizavam em corporações de ofício que controlavam a quantidade, a qualidade e o preço das mercadorias a serem produzidas.

Nas cidades medievais também surgiram as primeiras universidades europeias, além de escolas independentes financiadas por reis e burgueses com o intuito de tirar o monopólio da Igreja sobre a educação. Para além desse estímulo à vida intelectual, as cidades da Idade Média também ofereciam diversas opções de lazer, tais como festivais com comida, música e dança. Nas tavernas, era possível beber vinho e cerveja, participar de jogos e cantar e ouvir músicas. Nas praças, era possível assistir às apresentações de artistas mambembes e a peças teatrais apresentadas nas línguas locais (e não em latim). Por sua vez, a nobreza se deleitava com os versos feitos pelos trovadores e pelos poetas.


Reprodução do quadro A Luta entre o Carnaval e a Quaresma, obra pintada por Pieter Bruegel, o Velho (1559). O quadro representa aspectos culturais que marcaram a Europa desde os tempos da Idade Média: de um lado se vê o clima festivo da cultura popular, do outro se vê a seriedade que marcava o espírito religioso da época.

Toda esse efervescência que marcou a Idade Média a partir do ano 1000, porém, sofreu um duro revés a partir do século XIV, quando a Europa passou a enfrentar uma grave crise. Secas prejudicaram a agricultura em várias regiões, o que provocou o problema da fome. Entre 1340 e 1350, uma epidemia de peste negra matou cerca de 25 milhões de pessoas no continente. A fuga de muitos camponeses da zona rural para as cidades fez com que os senhores feudais aumentassem os impostos para compensar seus prejuízos. As crescentes dificuldades fizeram com que muita gente começasse a defender mudanças na ordem social e política, porém, nas cidades a alta burguesia reagiu a quaisquer tentativas de mudança impedindo a participação política dos artesãos. O resultado foi que em várias regiões da Europa eclodiram revoltas urbanas e camponesas. Um outro episódio emblemático ocorreu quando o Império Bizantino, parceiro comercial da Europa ocidental, começou a ter partes de seu território conquistadas pelos turcos otomanos. Além disso, no século XIV também começou a Guerra dos Cem Anos entre a Inglaterra e a França. Todo esse cenário de crise levou ao enfraquecimento das relações feudais e acabou favorecendo a centralização do poder nas mãos dos reis.


A epidemia de peste negra provocou a morte de milhões de pessoas no continente europeu durante o século XIV. A doença, somada à fome e às guerras e revoltas que marcaram a crise do feudalismo, contribuiu para gerar nas pessoas a consciência de que ninguém poderia escapar da morte. Na imagem, reprodução do quadro Triunfo da Morte (1562), de Pieter Bruegel.